quarta-feira, 20 de março de 2013

Francisco


Francisco
Augusto José Chiavegato


No dia da festa do carpinteiro seu José pai de Jesus, o poverello d´ Assisi foi entronizado papa com o nome de Francisco. Por ele dispensaria todas as formalidades e cerimônias reais à moda da rainha da Inglaterra tão ao gosto dos turistas, espetáculo de um tempo encantado que passou. A missão de Francisco será transformar esse passado de luxo e de poder, a partir dos sapatos, recuperando as sandálias do pescador. Já sabem que de cara gostei do argentino. Pelo andar no carro dos bois, leva jeito dos carroceiros tocando o carro, pitando cigarro de palha, matutando a tomar seu chimarrão, lerdo em paciências fosse como Deus a ter todo o tempo do mundo.

Muda-se na mesa de um argentino, cai Eisbein mit Sauerkraut u.s.w. joelhos de porco e chucrute etc. e entram bife de chorizo e assado de tira, mal passado, es decir, jugoso Informam- me minhas fontes que as duas freiras rubicundas, gordas e de olhos azuis foram dispensadas sem aviso prévio , em volta na Alemanha, tristes mas cantando:

Gott mit dir, du Land der Bayern Deutsche Erde, Vaterland!

(Deus contigo, tu terra dos bávaros
Terra alemã, minha pátria.)



De Buenos Aires chegaram no Vaticano Pablo y su hijo Pablito,ambos Gutierrez y Gutierrez. El referido señor será o oficial gran chef pontifício, famosíssimo churrasqueiro de ancho currículo de larga experiência nas melhores parilladaschurrascarias de Puerto Madero. E su mujer? Lamentablemente e tragicamente muerta sin explicacions es decir, precocemente deixando-os respectivamente viudo e huérfano. A se consolar tristeza de Pablo, solamente oração e el tango. Prosseguindo, desço mais profundamente nas modificações do papa. Francisco, por supuesto vai estabelecer uma revolução de simplicidade e de pobreza a desbancar perspectivas indecisas. Por gestos simples cairão ao fundo das pessoas. Ratzinger semeou ideias, hora de as fecundar. A verdadeira teologia é a ciência do Espírito de Deus que fecunda sementes dos pobres. O povo de Deus está cheio de sementes de vida a transformar a Igreja. O Espírito de Deus não está cochichando ao papa, muito menos pelos cardeais que sonham no Espírito a ouvir os arrulhos de uma pomba mesmo que branca. Meu amigo Francisco e meu pai, ouve a esperança na voz do povo de Deus. Vai em alegria a brincar nos jardins do Vaticano, fosse um cabritinho, melhor, um bezerro a brincar com a Graça.
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Ainda se turvam os céus de Roma


Por enquanto, só fumacinha preta...

Augusto José Chiavegato
Lá se vai o conclave furando ondas bravas, nossas esperanças um tanto fracas, as perspectivas incertas. Se o Espírito Santo não virar os ventos, a barca de Pedro vai a deriva. O papa tinha razão: meus caros, o mar não está pra peixe na Igreja. É, receio, mas estou tranquilo. Embarco-me na paciência multissecular de Deus, por isso espero enquanto vivo. Será que retrocedemos aos tempos da Igreja e de conclaves cheios de política e ambição? Não creio. Mas, Ratzinger ficou muito triste, eu também. Algumas razões são evidentes, outras disfarçadas em entrelinhas, a saber, os pedófilos e as maracutaias no Vaticano na expressão de conhecido vaticanista. Quanto aos pedófilos, espanta-me o número dos casos. Um ou outro, vá lá, acontece, resolve-se por trabalho de psiquiatra de meio-tigela. Agora, quando os casos grassam à beira de epidemia, não se resolve em modificando a lei do celibato. O problema está muito abaixo. Amor que nasce torto, nem mulher conserta. Vale a pena aprofundar este problema, em outra oportunidade. Por outro capítulo de crise concerne aos subterrâneos do Vaticano envolvendo eclesiásticos e leigos em ambição de poder e de dinheiro. O primeiro conjunto de problemas (sexo), afeta o corpo, aqui atingem a alma, a essência do cristão. Como todo padre, passei por baixo dezessete anos de formação centrada na castidade, no desprendimento de riquezas e na humildade. Seminarista tinha que ser casto, se não, estava fora. Um monte de meninos entrava no seminário, uma ínfima minoria chegava à ordenação. Por exemplo, no meu caso: de cinquenta e quatro meninos, só quatro se ordenaram. Sem dúvida, o impedimento principal era o celibato. Quando se passa por este obstáculo, o resto a gente tirava de chaleira. Voto de pobreza não tínhamos, somos donos do dinheiro, o suficiente para sermos pobres dignos. Ensinavam-nos a sermos humildes, a fugir de carreirismos. Pasmo fiquei ao saber eclesiásticos tropeçando em sexo, em ambição de dinheiro e de poder. Haja fé, haja amor, haja esperança a animar um velho papa. Certo que as tem, mas ante sua tristeza está na hora de acordar Jesus no fundo da barca. A galera clama pelo Espírito Santo sentado no banco. Insisto: Deus não joga, esse jogo é de homens. Antes do conclave, fecham-se os cardeais em oração cantando ao Espírito: Vem Espírito criador! e entraram piedosamente carregados de boa vontade, acredito, tudo entregando às mãos de Deus, corações leves a escutar passarinhos cantando nos jardins do Vaticano, crendo ouvir os gorjeios do Espírito Santo. Respeito a oração de todo o mundo que Deus ilumine os cardeais. Uno-me a todos que se prostram no chão, de joelhos, confiando nos cardeais. Creio que esta comunhão dos que rezam fortalece nossa esperança e ânimo. Mas, Deus não gosta muito de milagres e mais de mil vezes repito: Ele respeita nossa liberdade. O Espírito Santo nunca foi classificado nos conclaves. Mistérios de Deus das mãos que nos oferecem diante de nossa liberdade. Por aí vamos, por aí la nave va. Deus está aí, não se vê, erga os que caem, consola os tristes, dá um jeito em nossas burradas, nele creio, está ao nosso lado, esperando quando nos tornam “um” , consumados no Amor. 

A coragem de um Papa


A coragem de um papa
a.j.chiavegato

À esta altura, não temos mais papa. Saiu fugindo? De jeito nenhum! Em última crônica escrevi que admirava o teólogo, mas não o papa. Hoje se ameniza minha negativa, desfaz-se tornando-se em admiração. Em sua honestidade cai a ambiguidade entre Bento XVI e Ratzinger. Foi-lhe tarefa extremamente pesada. Quando escolhido como papa, topou, consta que não queria. Santos acreditam que Deus nos impõe fardos ao porte dos ombros, como dizia o teólogo Adoniram Barbosa: Deus nos dá o frio conforme o cobertor. Não é bem assim. Uma boa vontade tem que sempre se fundamentar em uma fé discernida. Coragem de ser e de aceitar, alicerça-se em humildade e na inadvertida confiança de Deus dos que lhe dizem: vai lá José, se necessário Deus segura as pontas. Bento XVI fez possível, seguramente o papa mais culto da história dos papas. Não basta ser culto para ser papa. Erro que o escolheram. Jesus definiu a primordial missão de Pedro: fortalece a fé de seus irmãos Lucas 22,32 , não necessariamente esclarecer as mentes, mas firmar seus corações. Missão de pai não é ensinar, quem educa são todos os homens na mediação do mundo. Dever de pai e acolher os filhos, a auscultar a voz dos tristes, fracos, doentes, desviados. Essa é a voz do Espírito de Deus que sopra e anima a família da Igreja. Por isso, louvo e amo a coragem de um papa que dá lugar a outro, mais forte que ele para topar a pegar o último lugar da Igreja, sem palavras e de figuras, na urgente tarefa de transformar radicalmente a face da Igreja.
Sem dúvida, hoje a Igreja singra em águas tumultuosas – na expressão dele, parece que faz água a barca de Pedro, no fundo Jesus dormindo sem sonhos e pesadelos, tranquilo. Dorme e vela, mistérios, enquanto homens trabalham e lutam que navegar é preciso, à coragem dos homens da Igreja. Ratzinger teve medo, sim. Inteligente e culto, desmoronou-se, pequeno diante dos problemas da Igreja que hoje estouram aqui e lá, mar de lama a passar nos subterrâneos do Vaticano. Entristece-se o coração de um pai, pobre, fraco. Fico triste especialmente diante de noticias sobre padres, bispos, cardeal a garantir a geral lei da fraqueza humana: padre é um homem, fraco! Claro, todo homem gosta de mulher, inscreve-se em sua vocação desde os tempos da criação. Quando falta mulher a que se renunciou, vale tudo? Vale refugiando-se em álibi na fraqueza humana? Não é do homem, muito menos do padre, a fraqueza da desordem em sexo. O celibato não pode enxovalhar a santidade do casamento. Minha pessoal experiência garante: como padre, guardei a inteira castidade de um homem total. Quis todas as mulheres do mundo e a todas renunciei. Ao casar, entreguei-me a uma, renunciando a todas as demais. Fico triste e muito, mas não cai um fiapo de minha fé pela Igreja de Jesus. Que é a Igreja, o Vaticano? Não! Infelizmente é a casa do papa. Está na hora de sair dela e fechar o museu, lindo e funesto tempo em que os papas eram reis, donos do mundo quando prevaricavam padres, cardeais, até mesmo alguns papas gerando bastardos. Passou-se esse tempo, graças a Deus. Amo todos os papas que conheci, a meu ver, santos a curtir pobreza e continência aprisionados no Vaticano. Está na hora de se limpar os entulhos do passado que desfiguram a Igreja de Deus. O Vaticano não é o chão da Igreja. Jesus a destruir o templo de Jerusalém não pela força e pelo poder que nunca teve, assolou todas as tentações de poderio: meu reino não é deste mundo. Triste reino de Deus, o Vaticano que sedia o servo dos servos cercado de luxo e de tesouros. O pobre dinheiro da comunidade de Jesus era guardado pelo cardeal Judas para comprar comidas, naquele tempo já alguém roubava sua parte, na cara de Jesus. Impassível.
Imensa a tarefa do novo papa a transformar a Igreja de Jesus. Sozinho, no peito e na raça, não vai conseguir nada. A ele congraçar e animar os corações que amam a Igreja a que se faça a luz. O site croire.com escreveu em editorial no dia em que o papa saiu: “ imensas dificuldades da carga que incumbe o papa emérito, ele continuará a suportar na oração”. Pedindo o quê? Que corações se convertem? Pedir a Jesus que se acorde dormindo no fundo da barca a serenar tempestades? Longe de medo e tristes, guardemos a misteriosa certeza de Jesus: tenhais a paz (...). eu venci o mundo João 16,33.
Novo dia para a Igreja: tão longa a esperança, tão curta a vida.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A multifária figura de Bento XVI


A multifária figura de Bento XVI

a.j.chiavegato
Difícil por poucas palavras explicar Ratzinger e o Bento XVI. Admiro o teólogo de tantas obras, do papa, não, ou melhor, não o compreendo, apesar de tudo amo-o como amigo. Creio firmemente no Espírito de Deus que conduz a Igreja por caminhos escondidos e tortos. O Espírito de Deus sopra por toda parte. A liberdade de Deus é como a beleza, nunca se expõe, nunca determina, sugere. Intenções humanas, como as minhas, nem sempre batem com as de Deus. Por exemplo, lá por outubro de 1958, estava na praça de São Pedro a olhar a chaminé da Capela Sistina a anunciar o novo papa. Às tantas, saiu uma fumacinha anêmica, indecisa, nem preta, nem branca, um fiapinho branco de fósforo que se apagou. E nós a olhar para cima em expectativa. Abriu-se o balcão central da basílica, gente apareceu agitada em preparações, os sinos tocaram: habemus papam! De branco apareceu um gordo e baixo, o papa, desconhecido furando todas as pesquisas, a Megasena acumulou: João XXIII. Por nome, cara, porte e velho, não foi pequeno o susto: quem é esse cara?! – ninguém sabia. Lá longe um padre gritou: é meu bispo de Veneza, - nada ajudou. A meia hora já circulavam jornais de Roma estampando o novo papa em esdrúxula foto: carona de um gordo em montagem no corpo magro de Pio XII. Pela idade, analistas definiram: papa em transição. Dias depois, com humor ele disse: deixa comigo, até um papa de transição pode convocar um concílio. Do fundo de sua ignorância, não me consta que escrevera um livro antes de papa, com coragem convocou as mentes da Igreja, convidou leigos, protestantes e ortodoxos, enfiou-os todos em concílio, num vale-tudo de dizer a definir caminhos novos. João XXIII decretou o horário da primavera. Na Igreja acordou-se o verde, aves cantando, abelhas zumbindo a produzir mel, toda a terra entrou em cio a gerar o verão. João XXIII não teve tempo de ver o novo mundo que anunciou. Após ele, veio Paulo VI da troupe de Pio XII, acolhido sem surpresas. Bolsa de apostas de Londres não pagou nada. Esperava-se que continuaria a obra de João XXIII. Com efeito, Montini era gente fina, já temperado no por mundo melhor cujo lema era transformar o mundo de selvagem a humano e a divino (Pio XII). Não foi fácil segurar essa batata quente da Igreja pós-concílio. Coitado, virou um tímido papa-bombeiro a apagar incêndios que alastravam. Paulo VI não soube continuar a primavera estabelecida pelo antecessor. Após sua morte, cardeal Luciani que não sonhava, nem queria ser papa, foi eleito. Dizem que ficou branco, seguraram que ia desmaiar. Ao lado dele no consistório disse-lhe o cardeal Johannes Willebrands: coragem, Luciani, guenta aí! o Senhor dá o fardo, mas também a força para carregá-lo. João Paulo I não aguentou, quebrou-se, efêmero como um sorriso. Sei lá, por essas e por outras, em matéria de eventos humanos, os olhos misteriosos de Deus tudo veem, mas nada empurram. Aí veio João Paulo II o moço que veio de Cracóvia, Polônia, simpático, atleta, galã, duro forjado na opressão do comunismo. A esse mesmo tempo vivia Ratzinger na Alemanha no mesmo clima de opressão e medo do comunismo. Vivi em Fulda perto da Grenzzone , isto é, perto da fronteira dividindo as duas Alemanhas. Ao horizonte podia-se ver enfileirados mísseis face a face. A Alemanha sentava-se num barril de pólvora. Churchill, pouco fim da guerra recomendava: pior que o nazismo é o comunismo. Este é o inimigo verdadeiro que ganhou a guerra! É verdade, o terrível nazismo foi mais que briga de família. O comunismo é apátrida, um vírus a se infiltrar em nossas vidas, mal que contem no bojo uma verdade aprisionada: o homem oprimido que sonha de esperança. Emmanuel Mounier advertiu a condenar o comunismo: o risco é jogar a água suja juntamente com a criança. Acho que João Paulo II e Bento XVI brilharam, um, pela sua simpatia e crisma, o outro, pelo talento do teólogo. Ambos por medo do comunismo, jogaram na água suja a criança da Igreja banhando-se nas águas de João XXIII. Não sou hegeliano, muito menos marxista. Gosto da dialética, essência da vida humana, de resto, à imagem de Deus. À tese de João XXIII veio a antítese de João Paulo e Bento XVI, estamos a esperar uma síntese, ou melhor, um terceiro termo. Sei lá o que vai dar. Em loterias e em jogo de bicho sempre errei, só uma vez minha mãe pôs meu nome numa rifa da festa de São Sebastião, ganhei um cabrito que meu pai comeu. O novo papa? Chuto: Dom Odilo cardeal de São Paulo, ou outro quem sabe menos conhecido de João XXIII. Deus nunca chuto, de direita ou de esquerda. Não joga. Olha, enquanto céus chovem fecundando esperanças.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Coisas de velhos


a.j.chiavegato
Levantei-me às 7, às vezes me atraso, por exemplo, hoje 7 minutos. Banho, café, empanturrei-me de remédios, um acabou-se. Fui à farmácia comprar... – remédio? não, Bozó, um quilo de carne. Obrigado ao Mozar que me enviou um monte de vídeos do Chico Anízio. Chegando à pharmacia, perdi a viagem, o sistema da Farmácia Popular estava fora do ar. Perguntei pra moça: quando volta? Ela disse: eu? - Você, não, meu bem, o sistema? Caiu-lhe a ficha: ah, telefona pra saber? Pedi-lhe marcar o telefone, ao que disse: o meu? – Não, da farmácia. Saí, aproveite-me catar um folheto no chão jogando no lixo. Costumo pegar papéis, copo de plástico, tudo e jogo nas lixeiras, mania de velhos. Coco-de-cachorro não cato, que apanhe quem por ali se aliviou.
Ao passar por um bar, entrei para esquentar o frio, embora não me conhecem, pedi: o de costume – olhou o rapaz esperando. Fiz um gesto dando um tantinho: café com um pouco de leite. Dei-lhe um punhado de moedas, umas vinte. O rapaz conferiu, sobrou uma. Pode ficar - disse. – Quer balas? Peguei: levo pros netos.
Passei a uma livraria olhando a vitrine. Espanando livros estava meu amigo, acenei bom dia!. Acho que sempre saúdo as pessoas, tenho certeza acender uma luz, um sorriso em suas vidas. Virei-me a cumprimentar todo mundo, como Guimarães Rosa diria, falo bom dia até a cavalo, coisas de velho.
Voltando-me em função de gari, sabem, já vi velhos japoneses, voluntários catando nas ruas, tudo, até chicletes. Invejo este país. A mais de cinquenta anos, vivi em Alemanha, ninguém jogava palito de fósforo, nada, só as folhas das árvores com seu direito de cair nas ruas, em outonos, antes que chega a neve, linda quando cai, o silêncio branco cobrindo as coisas e a vida. Uma manhã, no centro de Fulda, após tomar um café no Kaffee Tille com uma senhora, ao sairmos ela amassou a notinha, não jogou, caiu-lhe da mão, antes de pegar, um guarda rápido apanhou: senhora, por favor, aqui, indicando a lixeira. Na família desta senhora em que morei, mãe de seis filhos, frequentemente saíamos em picnic por campos e matas. Comíamos sanduiches e frutas, papeis e cascas voltavam pra casa religiosamente. Exagero de limpeza? Acho que não. A natureza é uma extensão de nossa casa. Mais, um alargamento de nosso corpo, da terra viemos e para ela voltaremos a virar raízes de vida, espero. Respeitar a natureza, tudo, os animais, mesmo os ratos que detesto. Fernando Pessoa me adverte: tudo o que acontece, tem uma razão de ser. Também as plantas, acham que é pouco viver? Gisbert Cesbron (Ce que je crois, Ed. Seuil 1970 Paris) Sempre que passava pelo carro via uns arbustos ridiculamente podados: comovia-me às lágrimas. A esse ponto não chegarei, pegaria o dono, esculhambaria seus cabelos, se fosse careca, picharia de verde-amarelo-azul que rissem plantas, animais, até mesmo as pedras. Creio que a natureza não é uma coisa estranha que está aí, não é a outra, como Deus, que nela vivemos, nos movemos e vivemos. Nessa linha, creio que devemos reler Teillard de Chardin, Hymne de l´Univers (Ed. Seuil, 1961) e especialmente La messe sur le monde (1923). Faz tempo que li, tenho que tirar poeira, com cuidado.
Depois, fui ao banco, solicitando o cartão do banco, perdi, sei lá onde. Um rapaz me atendeu. Falei o número da conta, perguntando: percebeu que é um número, baixinho, quatro dígitos? É antigo, esta agência era pequena, todo mundo se conhecia, quando entrava, logo dizia: como vai Waldir? Perguntei ao funcionário: você conhece o Waldir? Antes que dissesse não, sacudindo a cabeça, cai-me no real: claro, você nem tinha nascido, mais de quarenta anos, acho que o Waldir morreu, que Deus o tenha. Coisas de velho...
Mal que termino, como vai minha saúde? Dá pro gasto, uma dor aqui, uma fisgada de lado, pernas cansadas, uma tontura... Minha mulher diz: Fofo, você tem que falar pro médico. Rebato: não carece, já sei o que ele vai falar. Pergunta: quantos anos tem? Digo tanto. Come bem, dorme bem, tá andando bem, etc.? Eu: tudo bem, o etc. mais ou menos. O médico: tá tomando aquela pilulinha azul? – Tô. Levantando-se: você vai longe – batendo em meus ombros, não se esquenta não, essa história de uma dor, aqui e ali, coisas de velho. Não é que ele tem razão?! A propósito, ocorre-me o que contava meu primo Luizinho, não sei se fato, se piada, esse primo era gozado, ria-se pra burro, ria muito mais que ele, recontava e ria, minha tia balançando a cabeça: esse aí é meio “baúco”, louco, em vêneto: solta o rojão e vai buscar a vareta... Estava-se na fazenda, à noite, todos reunidos à salona, televisão nem tinha, rádio só se ligava quando tinha jogo, lia-se. Meu tio assinava uns três jornais, estava lendo A Gazeta, um Seleções Orlando, outro primo, lia O Município de Amparo. Interessou-lhe um anúncio, à venda um fordinho 28, em excelente preço. Disse a todos: vamos vê-lo amanhã, vou comprar, vendo minha égua e volto de carro. De manhã, foram, ele, Luizinho e Cyro. Bateram: pá... pá... pá... – não tinha campainha. Veio o dono, sem camisa, de chinelo: querem ver o fordinho? Por aqui, tá lá, - viram-no ao fundo do quintal, meio arruinadinho, lógico, por aquele preço... O fordinho estava meio torto, uma roda em cima de um monte de entulhos. Orlando achegou-se, abriu capô, virando ao dono confuso: e o motor?! O homem balançando a cabeça: por esse preço acha que tinha motor?!
Encerro com o médico: meu caro, com 76 anos, um enfarto no lombo, um AVZ, que você quisesse?!...
Coisas de velho, é verdade. Ao primeiro do instante, ao primeiro berro olhando a luz, começa-se a aprender ser velho: nascer é um passo à velhice. Custei a saber que estava velho, de repente, fichas caíram, uma a uma. Hoje gosto de ser velho, mas é meio chato. Apesar de ser ranzinza, birrento, teimoso, apesar das amarguras da velhice, vive-se uma experiência única de se aproximar a Deus, cada vez mais. É bom derreter-se como um doce e se desfaz em ternura. Isso e tudo, coisas de velho.

Diná




Diná
MANHÃ sangrenta em siquém

a.j.chiavegato

Por vezes, ouso-me em profecia e poesia, livre de espaço e tempo, a encontrar fatos e verdades. Assim narro o que Deus me envia.
Era uma vez uma jovem, linda, quando a conheci, encontrei-a afundada em tristeza, inconsolável. Sua família morava com tendas feitas por tecidos grossos do Egito, chão forrado de juncos vindos das beiras alagadiças do rio Nilo, a costume dos israelitas, quer por trabalho de pastores, quer por vira e meche expulsados de sua terra a cantar lamentos do va pensiero! oh, minha pátria tão bela e perdida!
Estávamos em remotas épocas do Gênesis, manhãs da vida humana, o Éden, a burrada de Adão e Eva, o pecado, o primeiro exílio da terra da felicidade, o castigo da morte, o sangue de Abel sujando mãos e noites de Caim, ódio, roubo, violência de toda espécie, ensandecendo a paciência de Deus, abrindo céus em dilúvios e em fogo, Babel, línguas que não mais servem a se entenderem os homens, explicações, amor e perdão, inúteis que desaparecem no silêncio das palavras que não mais falam. Deus tentasse alianças a reerguer o homem à paz, pombas a anunciarem a esperança, arco-íris iluminando céus anunciando manhãs diferentes. Quebram-se arco-íris e inúteis pombas da esperança, mas hoje estamos em terras de Abraão, mais uma aliança, Deus coração aberto a receber bons propósitos do homem. Apesar da paz, vamos encontrar Jacó, fugindo de Esaú, exilado com seus filhos, um monte, entre eles, Diná, em terras de Canaã, em Siquém onde vivem os cananeus, idólatras, gente da pá virada que não te conto. Diná, a requebrar suavemente, fossem ondulações ao vento, a passear sua beleza ou buscar água em fonte, sobre cabeça talha de barro. Uma tarde, depois de banho, untada de aloés, que cheiro! foi por aí a conhecer as moças da cidade, embora nunca sem companhia, conhecida terra de usos e costumes os piores. Ao passar em frente de uma taberna, conhecida Ao Bigode, de propriedade de um caldeu, deparou-se com Siquém, filho de Hemor, príncipe da terra, que a saudou olá! esticando lânguidos olhos, um tanto puxados: que tal tomarmos um licorzinho de tâmaras em minha casa? Em tenras inocências e ingenuidades, disse-lhe: por que não? Nem bem chegaram a pegar nenhum licor, o cara a gudunhou, esperneando-se, me solta seu bruto, choro de raiva, uma aguda dor e pronto: era uma vez uma donzela. O bode que deu nem lhes conto! O garoto foi contar ao seu pai: fiz mal a moça, Diná! Quero me casar com ela. Pai ficou roxo, gaguejou nomes feios , coçou a careca, passou a mão num cacete e voou sobre o filho, esquivou-se, uma mesinha aguentou a porrada que se enlascou, fugiu.
Entrementes, uma velha foi dar a língua às gengivas, malignidade de comadre corre contar a Jacó: vós que sempre sonhastes com uma filha casada, de véu branco,- antes que Jacó xingasse o mundo, arrematou: a fruta bichou! Qualquer pai ficaria desesperado, é ou não é? no entanto, Jacó se calou fechando-se em tristezas, lembrado-se valendo vidas de paciência a conquistar Raquel , serrana bela que por ela trabalhou sete anos, mais sete anos, todo o tempo do mundo que para tão longo amor tão curta a vida. Levantou-se que pai sempre está de pé.
Seus filhos estavam no campo com o rebanho e nada souberam. Pai de Siquém, foi ter de Jacó exatamente quando chegavam, furibundos: isso é coisa que não se fazem contra Israel,comendo filha de nosso pai Jacó! Dizia outro: se pego esse sem-vergonho, pelo sol que me alumeia, furo os olhos dele! Outro: capo ele, pego uma pedra e esmigalho os ovos dele! Raios voavam no meio da tarde. Hemor, encolhidinho a aplacar fúrias: filhos, amigo Jacó, meu filho quer casar com sua filha, tá apaixonado dela?! Responderam: nunca!!! E dá-lhe filho disso, daquilo, vai pro inferno, que não cuidou em amarrar seu bode! Hemor argumentando em humildades: sei que meu filho errou, mas tem atenuantes, porque está apaixonado!!! Rubem, o primogênito de Jacó meio entendido em leis: de jeito nenhum!!! nem de nossas sagradas leis, nem no direito dos heveus - concluiu citando em latim: nem in utroque jure!!! Hemor replicando e contrapondo: amigo Jacó, a gente se entende, lembra-se que vendi-lhe o terreno onde vocês hoje moram, não foi bom negócio? Aparteou Rubem: caro, muito caro, colega! Sem respondendo, Hemor: vem aqui, Jacó – pegando-lhe pelo braço, você tem doze filhos, pegam nossas mulheres, escolhem, se alguém pega uma miúda, leva duas, vamos unir nossas famílias, terras, rebanhos, tudo e construir um novo povo. Cá entre nós, esta intenção era boa, rica de ecumenismos, de arrependimentos e propósitos. Todos olharam para Jacó, que a boa educação ensina que em difíceis horas cumpre ao pai a falar. Cabeça baixa Jacó pensava. Fecundos silêncios. Siquém perorasse, coração de bondades e mãos abertas, acho que estava comovido: quero ser filho de Jacó, cunhado de vocês. Amo Diná! Jacó baixou guardas e definiu: tudo bem, aceito a uma condição que todos os seus homens sejam circuncidados que minha filha tem que ser mulher de um circuncidado. Hemor pergunta: que é isso? Judá , filho de Jacó, explicou direitinho em detalhes, indicando o baixo ventre fazendo um gesto: corta aqui. Todos pularam: capar, nada feito?!!! Todos rindo esclarecendo os costumes dos israelitas. Ah, bom, é que quando alguém corta a pele que tem fimose, dizem que é dói pra burro. Falou-se que não doía tanto, por uns dias ficava em cama, logo desincha, pronto para uso. Ao que a uma voz concordaram: tudo bem, nossos deuses e vosso Deus são grandes!
Hora de convocação: um arauto acompanhado de uma corneta, dois negos batendo bumbos de coro de gato conclamassem: todo mundo só os homens mais de dezoitos anos assembleia nas portas da cidade. Chegaram logo todos os homens, que mais ou menos sabiam do que se tratava.
Aberta a assembleia, foi o assunto muito bem detalhado, pois versava de coisa delicada. Choveram perguntas que no fundo, resumiram-se em duas. a saber: primeiro: dói? Segundo: depois posso transar? Devidamente esclarecidas, um velho aditou um em tempo: velho também vai entrar na faca, mesmo com os inúteis, quer dizer – baixando a voz, que o coiso não funciona mais? Disseram todos, sem exceção. Um velhinho tremendo insistiu: vai inchá? De novo tranquilizaram: na primeira semana, incha, fica grande que nem uma linguiçona, ó , mais de dois palmos – explicando à ajuda de adequado gesto, ao que o velho não cabia em felicidade: – nossa, tudo isso?! – acendendo-se o fogo morto – já faz tempo que aquilo não sobe!
Deu-se o primeiro e único item da assembleia, o presidente estabeleceu: todo mundo em fila. Correria. Devagar, devagar, não empurrem? Idosos tem prioridade, vem aqui, o senhor, por favor. Um velho chegou. Suspende a túnica. Suspendeu apresentando os documentos murchos. De joelhos, aqui, isso, põe o pingulim em cima desse toco – um auxiliar o ajudou, segurou o pintinho, higienilizou-o, esticou um palmo de pele, vupt!!! desceu a espada. O velho: aaauuuuuuuu, porca miseria!!! – curvado, retorcendo-se segurando o carequinha ensanguentado. Um a um, todos se apresentaram, uns mais, outros menos maldizendo as mães de todo o mundo e acabou. A noite caíra quando o último se entrou em casa e cair em cama. Que noite!
Mal nascera a manhã, silenciadas as lamentações da noite, fumacinhas brancas subiam a cheiro de café sobre as casas, de sombras da noite vieram Simeão e Levi, tomaram espadas, entraram na cidade e mataram Hemor e Siquém, todos os homens e levaram sua irmã, Diná e foram embora. Os filhos de Jacó caíram impetuosamente sobre os mortos e assolaram a cidade, tomaram ovelhas, bois, jumentos e tudo o que tinha nos campos (Gênesis 34, 27-29) crianças e mulheres, velhas, as viúvas em bom estado e as virgens.
Descabelou-se Jacó: que vocês fizeram, hein?! Simeão e Levi, é coisa que se faz?! Os povos desta terra vão cair em cima de nós e acabar a gente, temos que correr, vamos embora!
Mais uma vez, Deus dá um jeito, chamando Jacó: sobe a Betel, onde construirás um altar ao seu Deus e hoje seu nome é mais Jacó, mas ISRAEL, mas esta história é outra, quem sabe um dia volto a ela.
Aqui se termina a tragédia de Siquém, mas nada, nada vai aplacar e compensar a tristeza de Diná.
F I M

Gostaram? Será? Sei lá, esperam aí. Claro, certamente esta crônica é razoavelmente bem escrita, recontando em outras palavras uma história narrada no livro de Gênesis. Narrei com imaginação e humor. Mas é pouco, uma notícia digna do Brasil Urgente do José Luiz Datena a alimentar nossa doentia vocação de vampiros, Eros em clímax de orgasmos, outra face do Thanatos, ou melhor, Eros e Thanatos se entre devoram. Do que escrevi, de tudo salva-se a triste beleza de Diná e uma frase que escrevi no contexto de estupro, de vinganças, de traições, de sangue e de morte: Deus sempre dá um jeito! E mais digo, nunca uma história termina, sempre se esperando que amanhã vem outra. Deus tarda, nunca falha. Com certeza, suscita, José.





Viagem aos seios de duília






Viagem aos seios de duília”
a.j.chiavegato

não me lembro se era bom o filme, creio que sim, pois me levou ao conto de Aníbal Machado, entre os cem melhores do século XX. Quem não retoma uma viagem de volta em tempos que passaram a rever um Pouso triste onde se nasceu, viveu e amou? O primeiro amor acontece em coração de orvalhos, espantadas crianças, deslumbrantes, sem fazer o que aquilo do céu lhes caiu. Em geral não se casa com o primeiro amor, mas se esquece nunca, sonho que não vingou por falta de chão, planta que se secou mas deixando gosto de orvalho e cheiro de relva cortada. Passa tempo, passam amores, fica lá aquele rosto que nos prometia pequena e incomensurável felicidade. Escrevo do que vivi amor de crianças sem palavras, coração em olhos, pouco, mais nada e tudo. Um dia pedi à empregada de minha tia mandar lembranças à garota, lá pelos nove anos, aos usos daquele tempo para ficar. Respondeu-me: se eu quero bucho, vou comprar no açougue. Ah meu Deus, primeiro amor tão cedo desiludido! Tempo passa, vida de sonhos junta os cacos e faz parábola que ensina, meu-primeiro amor-de-minha vida falando em profecias: toda beleza um dia vira bucho. Hoje, à feira, estava a comprar pastel para minha neta. Uma mulher olhou-me, não a reconheci. Conheço você – dizendo meu nome. Reconheci minha antiga aluna que não mais vira há quarenta nos. Alta, olhos entre verdes e azuis conforme encobre-se o sol, o resto, o corpo, linda. Era. Ah, meu Deus, o tempo ou meus olhos que deformem, como espelhos mágicos?! Apresso-me a dizer que não era a Duília do conto e de minha infância, mas vivi o mesmo desencanto. Sempre que encontro a beleza de uma mulher plissada em rugas, para além do verniz esmaecido é hora de se encontrar a mulher que não passa, a mesma, a que se foi. Para além dos olhos que se apagam, bate um coração terno, sempre novo. Leiam aquele conto, vale a pena. Amores e vida que se foram, olhos e seios, apagados e murchos, já batem começos de inverno que já é hora de se colher tudo, como as uvas, sempre as mais doces.