A
multifária figura de Bento XVI
a.j.chiavegato
Difícil
por poucas palavras
explicar Ratzinger e o Bento XVI. Admiro o teólogo de tantas
obras, do papa, não, ou melhor, não o compreendo, apesar de tudo
amo-o como amigo. Creio firmemente no Espírito de Deus que conduz a
Igreja por caminhos escondidos e tortos. O Espírito de Deus sopra
por toda parte. A liberdade de Deus é como a beleza, nunca se
expõe, nunca determina, sugere. Intenções humanas, como as minhas,
nem sempre batem com as de Deus. Por exemplo, lá por outubro de
1958, estava na praça de São Pedro a olhar a chaminé da Capela
Sistina a anunciar o novo papa. Às tantas, saiu uma fumacinha
anêmica, indecisa, nem preta, nem branca, um fiapinho branco de
fósforo que se apagou. E nós a olhar para cima em expectativa.
Abriu-se o balcão central da basílica, gente apareceu agitada em
preparações, os sinos tocaram: habemus
papam! De branco apareceu um gordo e baixo,
o papa, desconhecido furando todas as pesquisas, a Megasena
acumulou: João XXIII.
Por nome, cara, porte e velho, não foi pequeno o susto: quem
é esse cara?! – ninguém
sabia. Lá longe um padre gritou: é
meu bispo de Veneza, - nada ajudou.
A meia hora já circulavam jornais de Roma
estampando o novo papa em esdrúxula foto: carona de um gordo em
montagem no corpo magro de Pio XII. Pela idade, analistas
definiram: papa em
transição. Dias depois, com humor ele
disse: deixa comigo, até um papa de transição
pode convocar um concílio. Do fundo de sua
ignorância, não me consta que escrevera
um livro antes de papa, com coragem convocou as mentes da Igreja,
convidou leigos, protestantes e ortodoxos, enfiou-os todos em
concílio, num vale-tudo de dizer a definir caminhos novos. João
XXIII decretou o horário da primavera.
Na Igreja acordou-se o verde, aves cantando, abelhas zumbindo a
produzir mel, toda a terra entrou em cio a gerar o verão. João
XXIII não teve tempo de ver o novo mundo que anunciou. Após ele,
veio Paulo VI da troupe de
Pio XII, acolhido sem surpresas. Bolsa de apostas de Londres não
pagou nada. Esperava-se que continuaria a obra de João XXIII. Com
efeito, Montini era gente fina, já temperado no
por mundo melhor cujo lema era transformar
o mundo de selvagem a humano e a divino (Pio XII).
Não foi fácil segurar essa batata quente da Igreja pós-concílio.
Coitado, virou um tímido papa-bombeiro a apagar incêndios que
alastravam. Paulo VI não soube continuar a primavera estabelecida
pelo antecessor. Após sua morte, cardeal Luciani que não sonhava,
nem queria ser papa, foi eleito. Dizem que ficou branco,
seguraram que ia desmaiar. Ao lado dele no
consistório disse-lhe o cardeal Johannes
Willebrands: coragem, Luciani, guenta
aí! o Senhor dá o fardo, mas também a força para carregá-lo.
João Paulo I não aguentou, quebrou-se,
efêmero como um sorriso. Sei lá, por essas e por outras, em matéria
de eventos humanos, os olhos misteriosos de Deus tudo veem, mas nada
empurram. Aí veio João Paulo II o moço que
veio de Cracóvia, Polônia, simpático,
atleta, galã, duro forjado na opressão do comunismo. A esse mesmo
tempo vivia Ratzinger na Alemanha no mesmo clima de opressão e medo
do comunismo. Vivi em Fulda perto da Grenzzone
, isto é, perto da fronteira dividindo as
duas Alemanhas. Ao
horizonte podia-se ver enfileirados mísseis face a face. A
Alemanha sentava-se num barril de pólvora. Churchill, pouco fim da
guerra recomendava: pior que o nazismo é o
comunismo. Este é o inimigo verdadeiro que ganhou a guerra! É
verdade, o terrível nazismo foi mais que briga de família. O
comunismo é apátrida, um vírus a se infiltrar em nossas vidas,
mal que contem no bojo uma verdade aprisionada: o homem oprimido que
sonha de esperança. Emmanuel Mounier advertiu a condenar o
comunismo: o risco é
jogar a água suja juntamente com a criança. Acho
que João Paulo II e Bento XVI brilharam, um, pela sua simpatia e
crisma, o outro, pelo talento do teólogo. Ambos por medo do
comunismo, jogaram na água suja a criança da Igreja banhando-se nas
águas de João XXIII. Não sou hegeliano, muito menos marxista.
Gosto da dialética, essência da vida humana, de resto, à imagem de
Deus. À tese de João XXIII veio a antítese de João Paulo e Bento
XVI, estamos a esperar uma síntese, ou melhor, um terceiro termo.
Sei lá o que vai dar. Em loterias e em jogo de bicho sempre errei,
só uma vez minha mãe pôs meu nome numa rifa da festa de São
Sebastião, ganhei um cabrito que meu pai comeu. O novo papa? Chuto:
Dom Odilo cardeal de São Paulo, ou outro quem sabe menos conhecido
de João XXIII. Deus nunca chuto, de direita ou de esquerda. Não
joga. Olha, enquanto céus chovem fecundando esperanças.
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