domingo, 10 de fevereiro de 2013

Coisas de velhos


a.j.chiavegato
Levantei-me às 7, às vezes me atraso, por exemplo, hoje 7 minutos. Banho, café, empanturrei-me de remédios, um acabou-se. Fui à farmácia comprar... – remédio? não, Bozó, um quilo de carne. Obrigado ao Mozar que me enviou um monte de vídeos do Chico Anízio. Chegando à pharmacia, perdi a viagem, o sistema da Farmácia Popular estava fora do ar. Perguntei pra moça: quando volta? Ela disse: eu? - Você, não, meu bem, o sistema? Caiu-lhe a ficha: ah, telefona pra saber? Pedi-lhe marcar o telefone, ao que disse: o meu? – Não, da farmácia. Saí, aproveite-me catar um folheto no chão jogando no lixo. Costumo pegar papéis, copo de plástico, tudo e jogo nas lixeiras, mania de velhos. Coco-de-cachorro não cato, que apanhe quem por ali se aliviou.
Ao passar por um bar, entrei para esquentar o frio, embora não me conhecem, pedi: o de costume – olhou o rapaz esperando. Fiz um gesto dando um tantinho: café com um pouco de leite. Dei-lhe um punhado de moedas, umas vinte. O rapaz conferiu, sobrou uma. Pode ficar - disse. – Quer balas? Peguei: levo pros netos.
Passei a uma livraria olhando a vitrine. Espanando livros estava meu amigo, acenei bom dia!. Acho que sempre saúdo as pessoas, tenho certeza acender uma luz, um sorriso em suas vidas. Virei-me a cumprimentar todo mundo, como Guimarães Rosa diria, falo bom dia até a cavalo, coisas de velho.
Voltando-me em função de gari, sabem, já vi velhos japoneses, voluntários catando nas ruas, tudo, até chicletes. Invejo este país. A mais de cinquenta anos, vivi em Alemanha, ninguém jogava palito de fósforo, nada, só as folhas das árvores com seu direito de cair nas ruas, em outonos, antes que chega a neve, linda quando cai, o silêncio branco cobrindo as coisas e a vida. Uma manhã, no centro de Fulda, após tomar um café no Kaffee Tille com uma senhora, ao sairmos ela amassou a notinha, não jogou, caiu-lhe da mão, antes de pegar, um guarda rápido apanhou: senhora, por favor, aqui, indicando a lixeira. Na família desta senhora em que morei, mãe de seis filhos, frequentemente saíamos em picnic por campos e matas. Comíamos sanduiches e frutas, papeis e cascas voltavam pra casa religiosamente. Exagero de limpeza? Acho que não. A natureza é uma extensão de nossa casa. Mais, um alargamento de nosso corpo, da terra viemos e para ela voltaremos a virar raízes de vida, espero. Respeitar a natureza, tudo, os animais, mesmo os ratos que detesto. Fernando Pessoa me adverte: tudo o que acontece, tem uma razão de ser. Também as plantas, acham que é pouco viver? Gisbert Cesbron (Ce que je crois, Ed. Seuil 1970 Paris) Sempre que passava pelo carro via uns arbustos ridiculamente podados: comovia-me às lágrimas. A esse ponto não chegarei, pegaria o dono, esculhambaria seus cabelos, se fosse careca, picharia de verde-amarelo-azul que rissem plantas, animais, até mesmo as pedras. Creio que a natureza não é uma coisa estranha que está aí, não é a outra, como Deus, que nela vivemos, nos movemos e vivemos. Nessa linha, creio que devemos reler Teillard de Chardin, Hymne de l´Univers (Ed. Seuil, 1961) e especialmente La messe sur le monde (1923). Faz tempo que li, tenho que tirar poeira, com cuidado.
Depois, fui ao banco, solicitando o cartão do banco, perdi, sei lá onde. Um rapaz me atendeu. Falei o número da conta, perguntando: percebeu que é um número, baixinho, quatro dígitos? É antigo, esta agência era pequena, todo mundo se conhecia, quando entrava, logo dizia: como vai Waldir? Perguntei ao funcionário: você conhece o Waldir? Antes que dissesse não, sacudindo a cabeça, cai-me no real: claro, você nem tinha nascido, mais de quarenta anos, acho que o Waldir morreu, que Deus o tenha. Coisas de velho...
Mal que termino, como vai minha saúde? Dá pro gasto, uma dor aqui, uma fisgada de lado, pernas cansadas, uma tontura... Minha mulher diz: Fofo, você tem que falar pro médico. Rebato: não carece, já sei o que ele vai falar. Pergunta: quantos anos tem? Digo tanto. Come bem, dorme bem, tá andando bem, etc.? Eu: tudo bem, o etc. mais ou menos. O médico: tá tomando aquela pilulinha azul? – Tô. Levantando-se: você vai longe – batendo em meus ombros, não se esquenta não, essa história de uma dor, aqui e ali, coisas de velho. Não é que ele tem razão?! A propósito, ocorre-me o que contava meu primo Luizinho, não sei se fato, se piada, esse primo era gozado, ria-se pra burro, ria muito mais que ele, recontava e ria, minha tia balançando a cabeça: esse aí é meio “baúco”, louco, em vêneto: solta o rojão e vai buscar a vareta... Estava-se na fazenda, à noite, todos reunidos à salona, televisão nem tinha, rádio só se ligava quando tinha jogo, lia-se. Meu tio assinava uns três jornais, estava lendo A Gazeta, um Seleções Orlando, outro primo, lia O Município de Amparo. Interessou-lhe um anúncio, à venda um fordinho 28, em excelente preço. Disse a todos: vamos vê-lo amanhã, vou comprar, vendo minha égua e volto de carro. De manhã, foram, ele, Luizinho e Cyro. Bateram: pá... pá... pá... – não tinha campainha. Veio o dono, sem camisa, de chinelo: querem ver o fordinho? Por aqui, tá lá, - viram-no ao fundo do quintal, meio arruinadinho, lógico, por aquele preço... O fordinho estava meio torto, uma roda em cima de um monte de entulhos. Orlando achegou-se, abriu capô, virando ao dono confuso: e o motor?! O homem balançando a cabeça: por esse preço acha que tinha motor?!
Encerro com o médico: meu caro, com 76 anos, um enfarto no lombo, um AVZ, que você quisesse?!...
Coisas de velho, é verdade. Ao primeiro do instante, ao primeiro berro olhando a luz, começa-se a aprender ser velho: nascer é um passo à velhice. Custei a saber que estava velho, de repente, fichas caíram, uma a uma. Hoje gosto de ser velho, mas é meio chato. Apesar de ser ranzinza, birrento, teimoso, apesar das amarguras da velhice, vive-se uma experiência única de se aproximar a Deus, cada vez mais. É bom derreter-se como um doce e se desfaz em ternura. Isso e tudo, coisas de velho.

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