Diná
MANHÃ
sangrenta em siquém
a.j.chiavegato
Por
vezes, ouso-me em profecia e poesia, livre de espaço e tempo, a
encontrar fatos e verdades. Assim narro o que Deus me envia.
Era uma vez uma jovem,
linda, quando a conheci, encontrei-a afundada em tristeza,
inconsolável. Sua família morava com tendas feitas por tecidos
grossos do Egito, chão forrado de juncos vindos das beiras
alagadiças do rio Nilo, a costume dos israelitas, quer por
trabalho de pastores, quer por vira e meche expulsados de sua
terra a cantar lamentos do va
pensiero! oh, minha pátria tão bela e perdida!
Estávamos em remotas
épocas do Gênesis, manhãs da vida humana, o Éden, a burrada de
Adão e Eva, o pecado, o primeiro exílio da terra da felicidade,
o castigo da morte, o sangue de Abel sujando mãos e noites de Caim,
ódio, roubo, violência de toda espécie, ensandecendo a paciência
de Deus, abrindo céus em dilúvios e em fogo, Babel, línguas que
não mais servem a se entenderem os homens, explicações, amor e
perdão, inúteis que desaparecem no silêncio das palavras que não
mais falam. Deus tentasse alianças a reerguer o homem à
paz, pombas a anunciarem a esperança, arco-íris iluminando céus
anunciando manhãs diferentes. Quebram-se arco-íris e inúteis
pombas da esperança, mas hoje estamos em terras de Abraão, mais uma
aliança, Deus coração aberto a receber bons propósitos do
homem. Apesar da paz, vamos encontrar Jacó, fugindo de Esaú,
exilado com seus filhos, um monte, entre eles, Diná, em terras de
Canaã, em Siquém onde vivem os cananeus, idólatras, gente da pá
virada que
não te conto.
Diná, a requebrar suavemente, fossem ondulações ao vento, a
passear sua beleza ou buscar água em fonte, sobre cabeça talha de
barro. Uma tarde, depois de banho, untada de aloés, que
cheiro!
foi por aí a conhecer as moças da cidade, embora nunca sem
companhia, conhecida terra de usos e costumes os piores. Ao passar
em frente de uma taberna, conhecida Ao
Bigode, de
propriedade de um caldeu, deparou-se com Siquém, filho de Hemor,
príncipe da terra, que a saudou olá!
esticando
lânguidos olhos, um tanto puxados: que
tal tomarmos um licorzinho de tâmaras em minha casa? Em
tenras inocências e ingenuidades, disse-lhe: por
que não?
Nem bem chegaram a pegar nenhum licor, o cara a gudunhou,
esperneando-se, me
solta seu bruto, choro
de raiva, uma aguda dor
e
pronto: era uma vez uma donzela. O bode que deu nem lhes conto! O
garoto foi contar ao seu pai: fiz
mal a moça, Diná! Quero me casar com ela.
Pai
ficou
roxo, gaguejou nomes feios , coçou a careca, passou a mão num
cacete e voou sobre o filho, esquivou-se, uma mesinha aguentou a
porrada que se enlascou, fugiu.
Entrementes, uma velha
foi dar a língua às gengivas, malignidade de comadre corre contar
a Jacó: vós
que sempre sonhastes com uma filha casada, de véu branco,- antes
que Jacó xingasse o mundo, arrematou: a
fruta bichou!
Qualquer pai ficaria desesperado, é ou não é? no entanto, Jacó
se calou fechando-se em tristezas, lembrado-se valendo vidas de
paciência a conquistar Raquel , serrana
bela
que por ela trabalhou sete anos, mais sete anos, todo o tempo do
mundo que para
tão longo amor tão curta a vida.
Levantou-se que
pai sempre está de pé.
Seus filhos estavam no
campo com o rebanho e nada souberam. Pai de Siquém, foi ter de Jacó
exatamente quando chegavam, furibundos: isso
é coisa que não se fazem contra Israel,comendo filha de nosso pai
Jacó! Dizia
outro: se
pego esse sem-vergonho, pelo sol que me alumeia, furo os olhos dele!
Outro:
capo
ele, pego uma pedra e esmigalho
os ovos
dele!
Raios voavam no meio da tarde. Hemor, encolhidinho a aplacar fúrias:
filhos,
amigo Jacó, meu filho quer casar com sua filha, tá apaixonado
dela?! Responderam:
nunca!!!
E
dá-lhe filho
disso, daquilo, vai pro inferno, que não cuidou em amarrar seu
bode! Hemor
argumentando em humildades: sei
que meu filho errou, mas tem atenuantes, porque está apaixonado!!!
Rubem,
o primogênito de Jacó meio entendido em leis: de
jeito nenhum!!! nem de nossas sagradas leis, nem no direito dos
heveus - concluiu
citando em latim:
nem in utroque jure!!! Hemor
replicando e contrapondo: amigo
Jacó, a gente se entende, lembra-se que vendi-lhe o terreno onde
vocês hoje moram, não foi bom negócio? Aparteou
Rubem: caro,
muito caro, colega!
Sem respondendo, Hemor: vem
aqui, Jacó –
pegando-lhe pelo braço,
você tem doze filhos, pegam nossas mulheres, escolhem, se alguém
pega uma miúda, leva duas, vamos unir nossas famílias, terras,
rebanhos, tudo e construir um novo povo. Cá
entre nós, esta intenção era boa, rica de ecumenismos, de
arrependimentos e propósitos.
Todos
olharam para Jacó, que a boa educação ensina que em difíceis
horas cumpre ao pai a falar. Cabeça baixa Jacó pensava. Fecundos
silêncios. Siquém perorasse, coração de bondades e mãos abertas,
acho que estava comovido: quero
ser filho de Jacó, cunhado de vocês. Amo Diná!
Jacó baixou guardas e definiu: tudo
bem,
aceito a
uma condição que todos os seus homens sejam circuncidados que minha
filha tem que ser mulher de um circuncidado.
Hemor pergunta: que
é isso?
Judá
, filho de Jacó, explicou direitinho em detalhes, indicando o baixo
ventre fazendo um gesto: corta
aqui.
Todos
pularam: capar,
nada feito?!!! Todos
rindo esclarecendo os costumes dos israelitas. Ah,
bom, é que quando alguém corta a pele que tem fimose, dizem que é
dói pra burro.
Falou-se que não doía tanto, por uns dias ficava em cama, logo
desincha, pronto para uso. Ao que a uma voz concordaram: tudo
bem, nossos deuses e vosso Deus são grandes!
Hora de convocação: um
arauto acompanhado de uma corneta, dois negos batendo bumbos de coro
de gato conclamassem: todo
mundo só os homens mais de dezoitos anos assembleia nas
portas da cidade. Chegaram logo todos os homens, que mais ou menos
sabiam do que se tratava.
Aberta a assembleia, foi
o assunto muito bem detalhado, pois versava de coisa delicada.
Choveram perguntas que no fundo, resumiram-se em duas. a saber:
primeiro:
dói? Segundo: depois posso transar? Devidamente
esclarecidas, um velho aditou um em tempo: velho
também vai entrar na faca, mesmo com os inúteis, quer dizer –
baixando
a voz,
que o coiso não funciona mais?
Disseram todos, sem exceção. Um velhinho tremendo insistiu: vai
inchá? De
novo tranquilizaram: na
primeira semana, incha, fica grande que nem uma linguiçona, ó ,
mais de dois palmos –
explicando à ajuda de adequado gesto, ao que o velho não cabia em
felicidade: –
nossa, tudo isso?! – acendendo-se
o fogo morto –
já faz tempo
que
aquilo não sobe!
Deu-se o primeiro e
único item da assembleia, o presidente estabeleceu: todo
mundo em fila.
Correria.
Devagar, devagar, não empurrem? Idosos tem prioridade, vem aqui, o
senhor, por favor. Um
velho chegou. Suspende
a túnica.
Suspendeu apresentando os documentos murchos. De
joelhos, aqui, isso, põe o pingulim em cima desse toco – um
auxiliar o ajudou, segurou o pintinho, higienilizou-o, esticou um
palmo de pele,
vupt!!!
desceu a espada. O velho:
aaauuuuuuuu, porca miseria!!! – curvado,
retorcendo-se
segurando o carequinha ensanguentado. Um a um, todos se apresentaram,
uns mais, outros menos maldizendo as mães de todo o mundo e
acabou. A noite caíra quando o último se entrou em casa e cair em
cama. Que noite!
Mal nascera a manhã,
silenciadas as lamentações da noite, fumacinhas brancas
subiam a cheiro de café sobre as casas, de sombras da noite vieram
Simeão e Levi, tomaram espadas, entraram na cidade e mataram Hemor
e Siquém, todos os homens e levaram sua irmã, Diná e foram
embora. Os
filhos de Jacó caíram impetuosamente sobre os mortos e assolaram a
cidade, tomaram ovelhas, bois, jumentos e tudo o que tinha nos campos
(Gênesis
34, 27-29)
crianças
e mulheres, velhas, as viúvas em bom estado e as virgens.
Descabelou-se Jacó:
que vocês fizeram, hein?! Simeão e Levi, é coisa que se faz?! Os
povos desta terra vão cair em cima de nós e acabar a gente, temos
que correr, vamos embora!
Mais uma vez, Deus dá um
jeito, chamando Jacó:
sobe a Betel, onde construirás um altar ao seu Deus e hoje seu
nome é mais Jacó, mas ISRAEL, mas
esta história é outra, quem sabe um dia volto a ela.
Aqui se termina a
tragédia de Siquém, mas nada, nada vai aplacar e compensar a
tristeza de Diná.
F I M
Gostaram? Será? Sei lá,
esperam aí. Claro, certamente esta crônica é razoavelmente bem
escrita, recontando em outras palavras uma história narrada no
livro de Gênesis. Narrei com imaginação e humor. Mas é pouco, uma
notícia digna do Brasil
Urgente
do José Luiz Datena a alimentar nossa doentia vocação de vampiros,
Eros em
clímax de orgasmos, outra face do Thanatos,
ou
melhor, Eros
e
Thanatos
se entre devoram. Do que escrevi, de tudo salva-se a triste beleza
de Diná e uma frase que escrevi no contexto de estupro, de
vinganças, de traições, de sangue e de morte: Deus
sempre dá um jeito!
E mais digo, nunca uma história termina, sempre se esperando que
amanhã vem outra. Deus tarda, nunca falha. Com certeza, suscita,
José.
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