domingo, 10 de fevereiro de 2013

Diná




Diná
MANHÃ sangrenta em siquém

a.j.chiavegato

Por vezes, ouso-me em profecia e poesia, livre de espaço e tempo, a encontrar fatos e verdades. Assim narro o que Deus me envia.
Era uma vez uma jovem, linda, quando a conheci, encontrei-a afundada em tristeza, inconsolável. Sua família morava com tendas feitas por tecidos grossos do Egito, chão forrado de juncos vindos das beiras alagadiças do rio Nilo, a costume dos israelitas, quer por trabalho de pastores, quer por vira e meche expulsados de sua terra a cantar lamentos do va pensiero! oh, minha pátria tão bela e perdida!
Estávamos em remotas épocas do Gênesis, manhãs da vida humana, o Éden, a burrada de Adão e Eva, o pecado, o primeiro exílio da terra da felicidade, o castigo da morte, o sangue de Abel sujando mãos e noites de Caim, ódio, roubo, violência de toda espécie, ensandecendo a paciência de Deus, abrindo céus em dilúvios e em fogo, Babel, línguas que não mais servem a se entenderem os homens, explicações, amor e perdão, inúteis que desaparecem no silêncio das palavras que não mais falam. Deus tentasse alianças a reerguer o homem à paz, pombas a anunciarem a esperança, arco-íris iluminando céus anunciando manhãs diferentes. Quebram-se arco-íris e inúteis pombas da esperança, mas hoje estamos em terras de Abraão, mais uma aliança, Deus coração aberto a receber bons propósitos do homem. Apesar da paz, vamos encontrar Jacó, fugindo de Esaú, exilado com seus filhos, um monte, entre eles, Diná, em terras de Canaã, em Siquém onde vivem os cananeus, idólatras, gente da pá virada que não te conto. Diná, a requebrar suavemente, fossem ondulações ao vento, a passear sua beleza ou buscar água em fonte, sobre cabeça talha de barro. Uma tarde, depois de banho, untada de aloés, que cheiro! foi por aí a conhecer as moças da cidade, embora nunca sem companhia, conhecida terra de usos e costumes os piores. Ao passar em frente de uma taberna, conhecida Ao Bigode, de propriedade de um caldeu, deparou-se com Siquém, filho de Hemor, príncipe da terra, que a saudou olá! esticando lânguidos olhos, um tanto puxados: que tal tomarmos um licorzinho de tâmaras em minha casa? Em tenras inocências e ingenuidades, disse-lhe: por que não? Nem bem chegaram a pegar nenhum licor, o cara a gudunhou, esperneando-se, me solta seu bruto, choro de raiva, uma aguda dor e pronto: era uma vez uma donzela. O bode que deu nem lhes conto! O garoto foi contar ao seu pai: fiz mal a moça, Diná! Quero me casar com ela. Pai ficou roxo, gaguejou nomes feios , coçou a careca, passou a mão num cacete e voou sobre o filho, esquivou-se, uma mesinha aguentou a porrada que se enlascou, fugiu.
Entrementes, uma velha foi dar a língua às gengivas, malignidade de comadre corre contar a Jacó: vós que sempre sonhastes com uma filha casada, de véu branco,- antes que Jacó xingasse o mundo, arrematou: a fruta bichou! Qualquer pai ficaria desesperado, é ou não é? no entanto, Jacó se calou fechando-se em tristezas, lembrado-se valendo vidas de paciência a conquistar Raquel , serrana bela que por ela trabalhou sete anos, mais sete anos, todo o tempo do mundo que para tão longo amor tão curta a vida. Levantou-se que pai sempre está de pé.
Seus filhos estavam no campo com o rebanho e nada souberam. Pai de Siquém, foi ter de Jacó exatamente quando chegavam, furibundos: isso é coisa que não se fazem contra Israel,comendo filha de nosso pai Jacó! Dizia outro: se pego esse sem-vergonho, pelo sol que me alumeia, furo os olhos dele! Outro: capo ele, pego uma pedra e esmigalho os ovos dele! Raios voavam no meio da tarde. Hemor, encolhidinho a aplacar fúrias: filhos, amigo Jacó, meu filho quer casar com sua filha, tá apaixonado dela?! Responderam: nunca!!! E dá-lhe filho disso, daquilo, vai pro inferno, que não cuidou em amarrar seu bode! Hemor argumentando em humildades: sei que meu filho errou, mas tem atenuantes, porque está apaixonado!!! Rubem, o primogênito de Jacó meio entendido em leis: de jeito nenhum!!! nem de nossas sagradas leis, nem no direito dos heveus - concluiu citando em latim: nem in utroque jure!!! Hemor replicando e contrapondo: amigo Jacó, a gente se entende, lembra-se que vendi-lhe o terreno onde vocês hoje moram, não foi bom negócio? Aparteou Rubem: caro, muito caro, colega! Sem respondendo, Hemor: vem aqui, Jacó – pegando-lhe pelo braço, você tem doze filhos, pegam nossas mulheres, escolhem, se alguém pega uma miúda, leva duas, vamos unir nossas famílias, terras, rebanhos, tudo e construir um novo povo. Cá entre nós, esta intenção era boa, rica de ecumenismos, de arrependimentos e propósitos. Todos olharam para Jacó, que a boa educação ensina que em difíceis horas cumpre ao pai a falar. Cabeça baixa Jacó pensava. Fecundos silêncios. Siquém perorasse, coração de bondades e mãos abertas, acho que estava comovido: quero ser filho de Jacó, cunhado de vocês. Amo Diná! Jacó baixou guardas e definiu: tudo bem, aceito a uma condição que todos os seus homens sejam circuncidados que minha filha tem que ser mulher de um circuncidado. Hemor pergunta: que é isso? Judá , filho de Jacó, explicou direitinho em detalhes, indicando o baixo ventre fazendo um gesto: corta aqui. Todos pularam: capar, nada feito?!!! Todos rindo esclarecendo os costumes dos israelitas. Ah, bom, é que quando alguém corta a pele que tem fimose, dizem que é dói pra burro. Falou-se que não doía tanto, por uns dias ficava em cama, logo desincha, pronto para uso. Ao que a uma voz concordaram: tudo bem, nossos deuses e vosso Deus são grandes!
Hora de convocação: um arauto acompanhado de uma corneta, dois negos batendo bumbos de coro de gato conclamassem: todo mundo só os homens mais de dezoitos anos assembleia nas portas da cidade. Chegaram logo todos os homens, que mais ou menos sabiam do que se tratava.
Aberta a assembleia, foi o assunto muito bem detalhado, pois versava de coisa delicada. Choveram perguntas que no fundo, resumiram-se em duas. a saber: primeiro: dói? Segundo: depois posso transar? Devidamente esclarecidas, um velho aditou um em tempo: velho também vai entrar na faca, mesmo com os inúteis, quer dizer – baixando a voz, que o coiso não funciona mais? Disseram todos, sem exceção. Um velhinho tremendo insistiu: vai inchá? De novo tranquilizaram: na primeira semana, incha, fica grande que nem uma linguiçona, ó , mais de dois palmos – explicando à ajuda de adequado gesto, ao que o velho não cabia em felicidade: – nossa, tudo isso?! – acendendo-se o fogo morto – já faz tempo que aquilo não sobe!
Deu-se o primeiro e único item da assembleia, o presidente estabeleceu: todo mundo em fila. Correria. Devagar, devagar, não empurrem? Idosos tem prioridade, vem aqui, o senhor, por favor. Um velho chegou. Suspende a túnica. Suspendeu apresentando os documentos murchos. De joelhos, aqui, isso, põe o pingulim em cima desse toco – um auxiliar o ajudou, segurou o pintinho, higienilizou-o, esticou um palmo de pele, vupt!!! desceu a espada. O velho: aaauuuuuuuu, porca miseria!!! – curvado, retorcendo-se segurando o carequinha ensanguentado. Um a um, todos se apresentaram, uns mais, outros menos maldizendo as mães de todo o mundo e acabou. A noite caíra quando o último se entrou em casa e cair em cama. Que noite!
Mal nascera a manhã, silenciadas as lamentações da noite, fumacinhas brancas subiam a cheiro de café sobre as casas, de sombras da noite vieram Simeão e Levi, tomaram espadas, entraram na cidade e mataram Hemor e Siquém, todos os homens e levaram sua irmã, Diná e foram embora. Os filhos de Jacó caíram impetuosamente sobre os mortos e assolaram a cidade, tomaram ovelhas, bois, jumentos e tudo o que tinha nos campos (Gênesis 34, 27-29) crianças e mulheres, velhas, as viúvas em bom estado e as virgens.
Descabelou-se Jacó: que vocês fizeram, hein?! Simeão e Levi, é coisa que se faz?! Os povos desta terra vão cair em cima de nós e acabar a gente, temos que correr, vamos embora!
Mais uma vez, Deus dá um jeito, chamando Jacó: sobe a Betel, onde construirás um altar ao seu Deus e hoje seu nome é mais Jacó, mas ISRAEL, mas esta história é outra, quem sabe um dia volto a ela.
Aqui se termina a tragédia de Siquém, mas nada, nada vai aplacar e compensar a tristeza de Diná.
F I M

Gostaram? Será? Sei lá, esperam aí. Claro, certamente esta crônica é razoavelmente bem escrita, recontando em outras palavras uma história narrada no livro de Gênesis. Narrei com imaginação e humor. Mas é pouco, uma notícia digna do Brasil Urgente do José Luiz Datena a alimentar nossa doentia vocação de vampiros, Eros em clímax de orgasmos, outra face do Thanatos, ou melhor, Eros e Thanatos se entre devoram. Do que escrevi, de tudo salva-se a triste beleza de Diná e uma frase que escrevi no contexto de estupro, de vinganças, de traições, de sangue e de morte: Deus sempre dá um jeito! E mais digo, nunca uma história termina, sempre se esperando que amanhã vem outra. Deus tarda, nunca falha. Com certeza, suscita, José.





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