sábado, 14 de julho de 2012

Bispos também morrem


                                                                                                                                         CRÔNICAS DO REINO
Bispos morrem


a.j.chiavegato


Ao entrarem bispos em catedrais, órgão e coro irrompem: Tu es sacerdos in aeternum! que traduzo a meu jeito: bispo não morre nunca! 

Aos cinco anos, nem sabia o que era bispo, muito menos cabia em minha cabeça a ideia de morte , meu negócio era comer, brincar, dormir, . Meu pai me chamou depois do almoço: sua mãe vai vestir você que vai comigo no enterro do bispo que morreu. Sem nada dizer, em mãos de meu pai, fui

Em frente do Bar Ideal, rua Barão de Jaguara, Largo do Rosário, plantamos. Gente pra burro e mais gente que chegava, eu em mão de meu pai que não me perdesse, guardas com cordas amarrando o povo para ninguém entrar no meio da rua, todo mundo olhando sei no quê, quase não falavam, cochichando, ninguém ria. começou passar um monte de padres que nem o de Jaguary, de vestido de preto, de vermelho, de roxo, até meninos de saia de preto, uns velhos carecas com capinhas vermelhas carregando tochas com vidro que nem lampião, freiras de azul, negros com capinhas pretas, um trazendo um treco com o retrato de São Benedito, mulheres de fitas e véus, fitas vermelhas, amarelas, moças de branco, fitas de azul e uma faixa na barriga, gentes, muita gente, rezando, procissão não era, achava, nem santo passou balançando com pescoço duro

Meu pai disse: vai o bispo, tirando o chapéu. Onde? – vi bispo nenhum. Meia dúzia de padres carregavam uma caixona de madeira que nem uma canastra que tem em casa cheia de roupas velhas e trapos, essa era a mais comprida e de madeira venisada, atrás, a banda. Tocava diferente, nem tocava taratachin como dia de festa e rojões, sinos não tocavam. Entendi: aquilo era morte de bispo, não gostei e o pouco que me restou, uma tarde cinza de agosto, imagens quase apagadas, esfumaçadas em nuvens de incenso: Dom Barreto.

pelos seis anos, nítidas caiam as imagens em cabeça, começava minha história e lia

No alto da lousa do Curso Infantil São José, lia: Jaguary, tanto de tanto de 1942. Dona Hermínia, a professora que tinha sido freira, solteira, passados prazos de casar. Um dia, dava aulas para primeira comunhão. Pelas duas horas, o sino da igreja tocou batendo que alguém morreu. Avisaram, dona Hermínia descabelou-se: Nossa Senhora! – disse segurando a cabeça dizendo: não tem mais aula, morreu o bispo de São Paulo, caiu do avião

Em rasos fundos de minha infância, fantasiava-me bispo, vestido de batina preta, faixa e meias roxas, do alto tudo caindo do avião, de ponta de cabeça com tudo e de sapato. Em fila, fomos à igreja rezar pelo bispo: dom José Gaspar. Devagar fui aprendendo que bispo também morria

Hoje, aos meus setenta e seis anos, mais de cem de bispos, conhecidos e colegas de estudo, se indo em procissão nas ruas de minha vida, desfilando solenidades da morte.

Poucos dias, meu amigo Dom Eugênio Salles. Conheci-o em tempos de bispo de Natal e posteriormente em Concílio, admirava-o por ideias e jeito de ser bispo. Estudei com seu meio irmão, Otto. Ao longo de sua vida e de minha, não sei se minhas ideias batiam com as dele, que importa?! Cristalizo-me em sabedorias de velho: não meço mais as pessoas pelas ideias, mas pelo que fizeram e fazem, mesmo que por pequenos gestos em favor dos homens, mais infelizes e perdidos

Dom Eugênio em recente entrevista, contou: voltando a sua casa, de noite tarde, como de costume, passava pela floresta da Barra da Tijuca, sempre via homens armados, área de tráfico, quando passava baixavam suas armas que o conheciam. Por vezes, um morto à beira da estrada, parava, ia ao morto e rezava. Nunca me molestaram - disse. Aos que elogiavam sua coragem, dizia rindo: coragem, coisa nenhuma! rezava, dava benção ao morto, saia de fininho, entrava no carro sem lhes dizer nada que eu não era besta. De tudo o que falou, escreveu e ensinou o evangelho de Jesus, resta-me apenas a figura de um velho bispo junto a um morto caído na beira da estrada na Barra da Tijuca que leva a Jericó (cf. Lc 10,30-37).