CRÔNICAS DO REINO
Bispos
morrem
a.j.chiavegato
Ao
entrarem bispos
em catedrais,
órgão e
coro irrompem:
Tu es
sacerdos in
aeternum!
que traduzo
a meu
jeito: bispo
não morre
nunca!
Aos cinco
anos, nem
sabia o
que era
bispo, muito
menos cabia
em minha
cabeça a
ideia de
morte , meu
negócio era
comer, brincar,
dormir, só.
Meu pai
me chamou
depois do
almoço: sua
mãe vai
vestir você
que vai
comigo no
enterro do
bispo que
morreu. Sem
nada dizer,
em mãos
de meu
pai, fui.
Em frente
do Bar
Ideal, rua
Barão de
Jaguara, Largo
do Rosário,
plantamos. Gente
pra burro
e mais
gente que
chegava, eu
em mão
de meu
pai que
não me
perdesse, guardas
com cordas
amarrando o
povo para
ninguém entrar
no meio
da rua,
todo mundo
olhando sei
lá no
quê, quase
não falavam,
cochichando, ninguém
ria. Aí
começou passar
um monte
de padres
que nem
o de
Jaguary, de
vestido de
preto, de
vermelho, de
roxo, até
meninos de
saia de
preto, uns
velhos carecas
com capinhas
vermelhas carregando
tochas com
vidro que
nem lampião,
freiras de
azul, negros
com capinhas
pretas, um
trazendo um
treco com
o retrato
de São
Benedito, mulheres
de fitas
e véus,
fitas vermelhas,
amarelas, moças
de branco,
fitas de
azul e
uma faixa
na barriga,
gentes, muita
gente, rezando,
procissão não
era, achava,
nem santo
passou balançando
com pescoço
duro.
Meu
pai disse:
lá vai
o bispo,
tirando o
chapéu. Onde?
– vi bispo
nenhum. Meia
dúzia de
padres carregavam
uma caixona
de madeira
que nem
uma canastra
que tem
lá em
casa cheia
de roupas
velhas e
trapos, essa
era a
mais comprida
e de
madeira venisada,
atrás, a
banda. Tocava
diferente, nem
tocava taratachin
como
dia de
festa e
rojões, sinos
não tocavam.
Entendi: aquilo
era morte
de bispo,
não gostei
e o
pouco que
me restou,
uma tarde
cinza de
agosto, imagens
quase apagadas,
esfumaçadas em
nuvens de
incenso: Dom
Barreto.
Lá
pelos seis
anos, nítidas
caiam as
imagens em
cabeça, começava
minha história
e já
lia.
No
alto da
lousa do
Curso Infantil
São José,
lia: Jaguary,
tanto de
tanto de
1942. Dona
Hermínia, a
professora que
tinha sido
freira, solteira,
passados prazos
de casar.
Um dia,
dava aulas
para primeira
comunhão. Pelas
duas horas,
o sino
da igreja
tocou batendo
que alguém
morreu. Avisaram,
dona Hermínia
descabelou-se:
Nossa Senhora!
– disse
segurando a
cabeça dizendo:
não tem
mais aula,
morreu o
bispo de
São Paulo,
caiu do
avião.
Em
rasos fundos
de minha
infância, fantasiava-me
bispo, vestido
de batina
preta, faixa
e meias
roxas, lá
do alto
tudo caindo
do avião,
de ponta
de cabeça
com tudo
e de
sapato. Em
fila, fomos
à igreja
rezar pelo
bispo: dom
José Gaspar.
Devagar fui
aprendendo que
bispo também
morria.
Hoje,
aos meus
setenta e
seis anos,
mais de
cem de
bispos, conhecidos
e colegas
de estudo,
já se
indo em
procissão nas
ruas de
minha vida,
desfilando solenidades
da morte.
Poucos dias,
meu amigo
Dom Eugênio
Salles. Conheci-o
em tempos
de bispo
de Natal
e posteriormente
em Concílio,
admirava-o
por ideias
e jeito
de ser
bispo. Estudei
com seu
meio irmão,
Otto. Ao
longo de
sua vida
e de
minha, não
sei se
minhas ideias
batiam com
as dele,
que importa?!
Cristalizo-me
em sabedorias
de velho:
não meço
mais as
pessoas só
pelas ideias,
mas pelo
que fizeram
e fazem,
mesmo que
por pequenos
gestos em
favor dos
homens, mais
infelizes e
perdidos.
Dom
Eugênio em
recente entrevista,
contou: voltando
a sua
casa, de
noite tarde,
como de
costume, passava
pela floresta
da Barra
da Tijuca,
sempre via
homens armados,
área de
tráfico, quando
passava baixavam
suas armas
que o
conheciam. Por
vezes, um
morto à
beira da
estrada, parava,
ia ao
morto e
rezava. Nunca
me molestaram
- disse.
Aos que
elogiavam sua
coragem, dizia
rindo: coragem,
coisa nenhuma!
rezava, dava
benção ao
morto, saia
de
fininho,
entrava no
carro sem
lhes dizer
nada que
eu não
era besta.
De tudo
o que
falou, escreveu
e ensinou
o evangelho
de Jesus,
resta-me
apenas a
figura de
um velho
bispo junto
a um
morto caído
na beira
da estrada
na Barra
da Tijuca
que leva
a Jericó
(cf.
Lc
10,30-37).