José,
pai
de
Jesus
a.j.chiavegato
Era
uma vez
um burrinho
chamado Algodão
Doce
que traduzi
do aramaico,
dialeto falado
em Nazaré
em tempo
de Cristo.
Tinha
um penacho
banco que
lhe valeu
o nome
dado por
José, comprado
a módico
preço para
cargas de
madeiras, entregar
serviços prontos,
porta, janela,
portão de
horta e
de galinheiro,
carrinho de
criança, enfim,
para demais
usos
familiais entre
fazer
compras e
levar criança
a
escola, raramente,
a fazer
picnic nas
margens do
rio Jordão.
Este burrinho
consta no
livro de
Waggerl, Und
es gab
sich...
híbrido de
Platero (
Platero y
yo.
Juan
Ramón Jiménez)
e de
Sete-de-Ouro
( Guimarães Rosa,
Sagarana,
pág.46, 1993),
doce,
piedoso e
teimoso. Sobre
o burro
discorro mais
na frente.
Agora
trato de
José, pai
de Jesus,
grande figura
ausente da
paixão e
morte de
seu filho,
por ter
morrido antes,
de acordo
com fontes
e minha
intuição.
De
evangelhos nem
uma só
palavra
consta ter
José falado,
homem de
silêncios e
ações poucas
e
decisivas,
de fortes
braços, não
sentia frio,
aquecia-se
em trabalho
e em
preocupações, sem
pingas, nem
pimentas. Ausente
da paixão,
teve sua
parte e
como! Desde
apaixonar-se
de Maria,
um sábio
sacerdote
lhe disse
em agouros:
José,
esse amor
será sua
ruína -
esta aí
um bom
título para
filme.
Encabulou-se
José, uma
vez já
adiantadas as
tratativas de
seu casamento
com Maria,
entre sacerdotes
e o
Altíssimo como
se pode
ler em
História de
José, apócrifo,
editado em
1772, em árabe
e em
latim,
hoje na
Biblioteca do
Vaticano,
encontrei uma
versão em
copta na
Biblioteca Real
de Paris,
infelizmente não
me adiantaram
em pouco
meus rudimentos
de copta.
Como dizia,
Deus e
piedosos velhos
planejavam
os
caminhos de
entrar no
mundo o
filho de
Deus estabelecendo
casamento de
uma virgem
consagrada a
Deus , Maria,
com um
homem justo,
José. As
coisas, porém
correram
demais,
ainda não
preparados , sem
curso de
noivos,
que em
uma tarde,
em casto
namoro, Maria
desembuchou em
delicada timidez
: José, estou
grávida.
Escureceram-se
olhos e
coração, fosse
uma pancada
de um
caibro caído
na cabeça.
Mudo, branco,
engoliu
seco,
mal digerindo
o coração
dúvidas as
serragens amargas,
horas escuras.
Em
solidões sonhou
com anjos
que um
lhe disse:
José, num
esquenta,
são coisas
do Altíssimo,
Maria é
gente
fina,pura,
quer saber,
virginíssima,
pode casar
com ela,
Deus garante
que “Deus
é fiel”-
citando
Deuteronômio,7,9.
Mal nascendo
sol, pulou
do catre,
afivelou sandálias,
ajeitou cabelos
e barba
e correu
ao templo.
Tocou um
sininho no
pensionato para
virgens consagradas
ao templo
onde morava
Maria, chamou
uma espécie
de madre
superiora que
cuidava delas
e avisou:
venho em
mando de
Javé, para
marcar o
casamento,
Maria e
eu, nós
dois –
disse. Faça
a santíssima
vontade de
Deus de
nossos pais,
- disse
a superiora,
persignando-se.
José saudou
Schalon! saiu
e avisou
Ana e
Joaquim, mandou
um primo
avisar Jacó,
seu pai,
sempre em
orações desanuviando
viuvez de
amada esposa
ignota , meia
dúzia de
amigos, dia
seguinte foram
ao templo
e
casou. Conta
o evangelho
lacônico: tomou
sua esposa
e a
conduziu a
sua casa,
MATEUS 1,24
, em Nazaré.
Virou assim
a primeira
página de
sua paixão
de José,
o justo.
Acham que
foi mole
aguentar as
impossíveis dúvidas?
Quando se
ama, em
santidades, caso
de José,
não há
lugar para
dúvida e
pecado, perdão
se dissolve
em amor,
antes que
o pecado
acontecesse. Mesmo
assim, antecipava-se
para ele
o Getsêmani
de seu
filho. Ideias
ferviam, pois
ele bem
conhecia as
leis: se
uma mulher,
comprometida a
um homem
e
vier a
se casar,
não mais
sendo virgem,
levada na
frente da
casa paterna
e pedra
nela até
que morra
(Deuteronômio 22,21). Assim,
amor e
obscuros planos
de Deus,
desmancharam medos
e dúvidas
de José.
Por nove
meses em
trabalhos amou
Maria, em
alegria e
preocupações que
não tomasse
um tombo,
não tomasse
resfriado, alimentando,
comendo por
duas bocas
– como por
lá se
dizia.
Quase fins
no prazo,
antes que
as dores
chegassem,
puseram-se
em
viagem a
Belém para
recenseamento,
organizado por
uma espécie
de IBGE
romano, por
ordens de
Cesar Augusto.
Sem condução,
foram a
pé. Uma
família que
viajava também,
ao vir
Maria grávida,
disseram: faz
favor, moça,
sobe no
burrinho, tem
a bondade
– em
conformidade como
dispõe Moisés:
deem preferência
a velhos,
estropiados,
mães com
crianças a
colo e
grávidas. Assim
chegaram a
Belém, antes
parados em
uma taberna
modesta, para
água fresca,
descanso e
demais
necessidades.
Ao longe
se avistava
Belém, lá
ia
desabar a
paixão de
José, onde
ficar?
Nem em
Belém e
na grande
Belém, nada,
hotel, pensão,
pousada, em
camas de
famílias, tudo
lotado. Nada
disso que
inventaram a
maldade dos
belenenses a
bater portas
na cara
da sagrada
família,
e de
outros
desaforos,
chispam daí,
seus
vagabundos!...
É que
tinha
gente pra
caramba a
sair pelo
ladrão.
José nem
pensava que
a data
ia cair
num feriadão
e naquele
tempo ainda
não
existia serviço
de reservas
em
hotéis,
pensões e
pousadas.
A gente
se vira
– disse
Maria tranquilizando
o sofrimento
de marido.
Assim, em
pobrezas Jesus
nasceu, em
festas e
alegrias que
o evangelista
Lucas inventou
a inspirar
poesia, presépios
e tantos
cânticos
Noite Feliz
e Glórias
e anjos
em revoada
em pencas
desfraldando faixas.
Fria era
a noite,
clara, céu
aberto e
esplêndido,
como noites
de invernos.
Iluminação
só uma
fogueira, pastores
e mulher
que assistiu
a Maria
em parto,
José ao
lado, olhando-a
menina,
mãe,
nos braços,
seu filho.
Ao
amanhecer,
José foi
ao mercado
e comprou
um burrinho,
aquele, de
que escrevi
no início
que consta
em fotos
do natal,
junto ao
boi e
a família
sagrada, pastores
de joelho
e anjos
voando pra
cá, pra
lá.
Passados
os dias
de resguardo
de Maria,
visitas que
foram embora
e os
reis magos
em comitiva,
levantando poeira
em dança
dos desengonçados
camelos, era
já hora
de voltar
a Nazaré.
José arrumou
as tralhas
a por
no lombo
do Algodão
Doce. A
seu natural,
sempre meio
emburrado, não
respeitassem suas
pisaduras (FERIDAS
NO
LOMBO)
e humores
aziagos, pularia
feio, desta
vez não,
apesar do
enorme fardo
a levar,
calmamente
profetizou: o
fardo deste
menino é
leve. Em
paz, a
viagem de
volta.
Em Nazaré
correu-se
a vida
de cada
dia, felizes,
família e
o
burrinho, todos.
Certa
noite, em
pesado sono
e de
sonhos diversos,
veio um
anjo acordar
José, aquele
que já
conhecia: chiii...,
vem bode
aí! O
anjo cutucando
seu
ombro: ô
José, pega
Maria e
o menino
e se
mandem
pro Egito
que Herodes
está
matando tudo
que é
criancinha pra
baixo de
dois anos,
fiquem lá
até que
o avise
para voltar.
Cataram os
tralhes e
José
foi buscar
Algodão Doce.
Quando
viu aquele
monte de
coisas, empacou
fixando as
patas: péra
aí, meu,
tá pensando
que sou
um caminhão?!
Sei que
o senhor
é muito
bom
carpinteiro,
bem podia
ter feito
uma charrete,
mesmo uma
carrocinha
daquelas de
carregar
reciclados?!
José meio
vergonhado apelou
à consciência
cristã do
burrinho, a
comover o
seu
lado bom
e deu
certo :
tá bom,
tá bom.
José agradeceu:
toca que
eu empurro.
Dias assim
se passaram
bem, aí
entraram
em deserto,
a história
ficou preta
pro burro:
preta, uma
ova, tá
trágica! Todo
mundo se
virando e
eu, cadê
comida, nem
uma palhinha?!
A essa
altura, tive
que
lançar mão
de Waggerl
, fantástico contista
austríaco de
Natal (cf.
Und
es gab
sich)...
e inventar
prodígios e
milagres.
Por ali,
só davam
cardos, amargos
e espinhudos.
José lhe
disse: come!
O burrinho:
tá louco,
quer
estrunchar
meu estômago
e o
rabo que
minha mãe
tacou talco
em mim?!
Jesus ainda
não
falava, chamou
o burrinho
agitando bracinhos
nervosos como
dissessem é
bom!
Incrédulo, o
burrinho cheirou
o cardo,
olhou pro
lado, com
jeito mordeu.
Iluminou-se
a enorme
cara de
burro:
Nossa Senhora,
é doce!
A partir
desse dia,
foi inventada,
por um
cabeçudo burro,
a expressão
de gratidão
e alegria:
Nossa Senhora!
Assim chegou-se
em Egito
e ficaram
por um
ano, José,
em trabalhos
e medos
em terra
estrangeira
até que
em sono
e sonho,
anjo mandou
que voltassem
na terra
de Israel.
E alertou:
na
Judéia, não
que reinava
o filho
de Herodes,
esse é
caro perigoso!
Vai pra
Galiléia.
Fixaram domicílio
em Nazaré.
José montou
modesta oficina,
fez uma
placa entalhada
José
carpinteiro
e
por anos
viveram em
paz, sem
destacado registro.
Cada ano
iam a
Jerusalém para
a páscoa,
Algodão sempre
ia a
serviço em
família,
mas quando
José e
Maria em
caridades
cediam seu
lombo a
velha e
velho, ficava
fulo de
raiva:
eram
levianinhos,
- dizia, secos
e miudinhos,
mas chatos,
cuspiam e
tossiam por
tudo lado.
Grávida, tudo
bem, carregava
em delicadezas,
fosse com
uma caixa
de porcelanas.
Em Jerusalém
ficavam
uns três
dias. Dormiam
em tendas,
necessidades atrás
de moitas
plantadas
pela secretaria
da saúde
para o
devido fim.
Comiam as
coisas que
traziam, já
chamados
farofeiros. Sendo
pobres, pouco
compravam , talvez
um copo
de groselha,
de capilé
para
Jesus e
Maria, pinga
ele não
bebia, vez
em quando,
pouco de
vinho
que comprava
em uma
bodega de
um grego
que muitos
viviam em
Jerusalém. Vendia-se
o famigerado
sanduiche
churrasco grego,
já inventado
antes de
Sócrates. Por
falar de
Sócrates, contava-se
em meios
eruditos uma
anedota
ao ser
condenado:
prefiro beber
cicuta a
comer churrasco
grego. Por
essa e
por outras,
José não
comprava, diziam
que era
feito com
carne de
gato embora
por lá
escasseavam gatos,
em dúvidas,
José não
comia o
sanduiche do
Aristodemo, - seu
nome,
Ἀριστόδημος,
chamado pela
sua mulher.
Certa vez,
fim da
páscoa, punham-se
a regressar
a Nazaré.
Onde está
o
menino –
José vendo
pros lados.
Maria: aqui
não está,
olhando atrás
que
meninos jogavam
bola: viu
Jesus,
Ezequiel?
Respondeu um
menino: num
vi ele
não, dona
Maria. E
procura que
te
procura, nada.
Um conhecido
nazareno que
era sempre
pessimista que
usava óculos
pretos pra
ver sempre
escuro, chutou:
acho
sequestro!...
Uma visinha
que vende
ovos: vira
essa boca
daí, aqui
num tem
isso, em
Roma sim,
a coisa
lá
tá feia,
alarmantes
índices de
sequestro.
Outra: pior,
estupro, não
respeitam nem
criança, véia,
nem burro!
- Epa! tô
saltando de
banda!
–
o Algodão
Doce. Em
ansiedades e
desanimados, Evangelho
diz que
acharam
depois de
três dias,
a meu
ver, um
pouco exagerado,
o menino
na maior
tranquilidade transpirando
sabedorias
dando entrevista
a doutores
e anciãos
judeus. Maria:
meu
filho, caramba,
seu pai
e eu
morrendo de
medo?!
Nada José
disse, balançando
a cabeça
pensando: ela
está certa,
mãe está
certa.
Não se
faz isso!
Jesus deu
uma
resposta meio
enviesada
em turvas
profundidades que
Maria não
entendeu,
fechou-se
em silêncio
e guardou
tudo em
seu coração
a pensar,
meditar, remoer,
quem sabe
um dia
venha a
iluminar
sua vida
e a
nossa. Apertando
Jesus no
peito, voltaram
a Nazaré,
a lombo
de burro,
puxando José,
a tarde
que já
caia. Nas
sombras desta
noite, sumiu-se
meu amigo
José e
de nada
mais se
soube em
evangelhos.
Apócrifos inventaram
imaginações: viveu
longo, cabelos
e barba
escuros,
sem uma
cárie em
dentes, viúvo,
casou-se
de novo,
mais meia
dúzia de
filhos,
Judas, Josetos,
Tiago, Simão,
Lísia e
Lídia,
morrendo aos
cento e
onze anos
sem doença,
cansou-se
de viver
e
finou-se,
chama que
se apagasse
sem óleo.
Para mim,
José morreu
antes de
Jesus. Não
fosse assim,
ele
estaria presente
à paixão
de Jesus,
não fugiria
no bando
dos apóstolos,
a acreditar
a versão
apócrifica de
sua saúde,
arrebentaria
meio mundo
de soldados
e no
Calvário estaria
ao lado
de Jesus,
firme e
não mais
sozinha Maria
stabat (estava),
ambos stabant
(estavam)
e
outra seria
a história,
Michelangelo retratando
em pedra
a descida
da cruz
de Jesus
em braços
de José,
função de
pai a
colher um
filho morto,
de mãe
a abrigar
em ventre
e colo
a trazê-lo
à vida.
José ausente
na morte
de seu
filho.
Pietà , Jesus
morto e
Maria,
eternamente senhora
das dores.
Encerra-se
a história
de José,
pai
putativo de
Jesus.
Putativo uma
ova,
verdadeiro
pai de
Jesus que
o amou,
por ele
sofreu, deu-lhe
alimento e
ternura,
não foi
o pai
de Jesus
na carne
a atestarem
minha fé
e
tradições, mesmo
que
impossível termos
elementos para
o teste
de DNA
que se
evanesceram em
séculos. Entrego-me
e José
nos braços
misteriosos e
no coração
de Deus,
pai de
seu filho.
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