terça-feira, 5 de junho de 2012

José, pai de Jesus


José, pai de Jesus

a.j.chiavegato


Era uma vez um burrinho chamado Algodão Doce que traduzi do aramaico, dialeto falado em Nazaré em tempo de Cristo. Tinha um penacho banco que lhe valeu o nome dado por José, comprado a módico preço para cargas de madeiras, entregar serviços prontos, porta, janela, portão de horta e de galinheiro, carrinho de criança, enfim, para demais usos familiais entre fazer compras e levar criança a escola, raramente, a fazer picnic nas margens do rio Jordão. Este burrinho consta no livro de Waggerl, Und es gab sich... híbrido de Platero ( Platero y yo. Juan Ramón Jiménez) e de Sete-de-Ouro ( Guimarães Rosa, Sagarana, pág.46, 1993), doce, piedoso e teimoso. Sobre o burro discorro mais na frente. Agora trato de José, pai de Jesus, grande figura ausente da paixão e morte de seu filho, por ter morrido antes, de acordo com fontes e minha intuição. De evangelhos nem uma palavra consta ter José falado, homem de silêncios e ações poucas e decisivas, de fortes braços, não sentia frio, aquecia-se em trabalho e em preocupações, sem pingas, nem pimentas. Ausente da paixão, teve sua parte e como! Desde apaixonar-se de Maria, um sábio sacerdote lhe disse em agouros: José, esse amor será sua ruína - esta um bom título para filme. Encabulou-se José, uma vez adiantadas as tratativas de seu casamento com Maria, entre sacerdotes e o Altíssimo como se pode ler em História de José, apócrifo, editado em 1772, em árabe e em latim, hoje na Biblioteca do Vaticano, encontrei uma versão em copta na Biblioteca Real de Paris, infelizmente não me adiantaram em pouco meus rudimentos de copta. Como dizia, Deus e piedosos velhos planejavam os caminhos de entrar no mundo o filho de Deus estabelecendo casamento de uma virgem consagrada a Deus , Maria, com um homem justo, José. As coisas, porém correram demais, ainda não preparados , sem curso de noivos, que em uma tarde, em casto namoro, Maria desembuchou em delicada timidez : José, estou grávida. Escureceram-se olhos e coração, fosse uma pancada de um caibro caído na cabeça. Mudo, branco, engoliu seco, mal digerindo o coração dúvidas as serragens amargas, horas escuras. Em solidões sonhou com anjos que um lhe disse: José, num esquenta, são coisas do Altíssimo, Maria é gente fina,pura, quer saber, virginíssima, pode casar com ela, Deus garante que Deus é fiel- citando Deuteronômio,7,9. Mal nascendo sol, pulou do catre, afivelou sandálias, ajeitou cabelos e barba e correu ao templo. Tocou um sininho no pensionato para virgens consagradas ao templo onde morava Maria, chamou uma espécie de madre superiora que cuidava delas e avisou: venho em mando de Javé, para marcar o casamento, Maria e eu, nós dois disse. Faça a santíssima vontade de Deus de nossos pais, - disse a superiora, persignando-se. José saudou Schalon! saiu e avisou Ana e Joaquim, mandou um primo avisar Jacó, seu pai, sempre em orações desanuviando viuvez de amada esposa ignota , meia dúzia de amigos, dia seguinte foram ao templo e casou. Conta o evangelho lacônico: tomou sua esposa e a conduziu a sua casa, MATEUS 1,24 , em Nazaré. Virou assim a primeira página de sua paixão de José, o justo. Acham que foi mole aguentar as impossíveis dúvidas? Quando se ama, em santidades, caso de José, não lugar para dúvida e pecado, perdão se dissolve em amor, antes que o pecado acontecesse. Mesmo assim, antecipava-se para ele o Getsêmani de seu filho. Ideias ferviam, pois ele bem conhecia as leis: se uma mulher, comprometida a um homem e vier a se casar, não mais sendo virgem, levada na frente da casa paterna e pedra nela até que morra (Deuteronômio 22,21). Assim, amor e obscuros planos de Deus, desmancharam medos e dúvidas de José. Por nove meses em trabalhos amou Maria, em alegria e preocupações que não tomasse um tombo, não tomasse resfriado, alimentando, comendo por duas bocascomo por se dizia. Quase fins no prazo, antes que as dores chegassem, puseram-se em viagem a Belém para recenseamento, organizado por uma espécie de IBGE romano, por ordens de Cesar Augusto. Sem condução, foram a . Uma família que viajava também, ao vir Maria grávida, disseram: faz favor, moça, sobe no burrinho, tem a bondade em conformidade como dispõe Moisés: deem preferência a velhos, estropiados, mães com crianças a colo e grávidas. Assim chegaram a Belém, antes parados em uma taberna modesta, para água fresca, descanso e demais necessidades. Ao longe se avistava Belém, ia desabar a paixão de José, onde ficar? Nem em Belém e na grande Belém, nada, hotel, pensão, pousada, em camas de famílias, tudo lotado. Nada disso que inventaram a maldade dos belenenses a bater portas na cara da sagrada família, e de outros desaforos, chispam daí, seus vagabundos!... É que tinha gente pra caramba a sair pelo ladrão. José nem pensava que a data ia cair num feriadão e naquele tempo ainda não existia serviço de reservas em hotéis, pensões e pousadas. A gente se vira disse Maria tranquilizando o sofrimento de marido. Assim, em pobrezas Jesus nasceu, em festas e alegrias que o evangelista Lucas inventou a inspirar poesia, presépios e tantos cânticos Noite Feliz e Glórias e anjos em revoada em pencas desfraldando faixas. Fria era a noite, clara, céu aberto e esplêndido, como noites de invernos. Iluminação uma fogueira, pastores e mulher que assistiu a Maria em parto, José ao lado, olhando-a menina, mãe, nos braços, seu filho. Ao amanhecer, José foi ao mercado e comprou um burrinho, aquele, de que escrevi no início que consta em fotos do natal, junto ao boi e a família sagrada, pastores de joelho e anjos voando pra , pra . Passados os dias de resguardo de Maria, visitas que foram embora e os reis magos em comitiva, levantando poeira em dança dos desengonçados camelos, era hora de voltar a Nazaré. José arrumou as tralhas a por no lombo do Algodão Doce. A seu natural, sempre meio emburrado, não respeitassem suas pisaduras (FERIDAS NO LOMBO) e humores aziagos, pularia feio, desta vez não, apesar do enorme fardo a levar, calmamente profetizou: o fardo deste menino é leve. Em paz, a viagem de volta. Em Nazaré correu-se a vida de cada dia, felizes, família e o burrinho, todos. Certa noite, em pesado sono e de sonhos diversos, veio um anjo acordar José, aquele que conhecia: chiii..., vem bode ! O anjo cutucando seu ombro: ô José, pega Maria e o menino e se mandem pro Egito que Herodes es matando tudo que é criancinha pra baixo de dois anos, fiquem até que o avise para voltar. Cataram os tralhes e José foi buscar Algodão Doce. Quando viu aquele monte de coisas, empacou fixando as patas: péra , meu, pensando que sou um caminhão?! Sei que o senhor é muito bom carpinteiro, bem podia ter feito uma charrete, mesmo uma carrocinha daquelas de carregar reciclados?! José meio vergonhado apelou à consciência cristã do burrinho, a comover o seu lado bom e deu certo : bom, bom. José agradeceu: toca que eu empurro. Dias assim se passaram bem, entraram em deserto, a história ficou preta pro burro: preta, uma ova, trágica! Todo mundo se virando e eu, cadê comida, nem uma palhinha?! A essa altura, tive que lançar mão de Waggerl , fantástico contista austríaco de Natal (cf. Und es gab sich)... e inventar prodígios e milagres. Por ali, davam cardos, amargos e espinhudos. José lhe disse: come! O burrinho: louco, quer estrunchar meu estômago e o rabo que minha mãe tacou talco em mim?! Jesus ainda não falava, chamou o burrinho agitando bracinhos nervosos como dissessem é bom! Incrédulo, o burrinho cheirou o cardo, olhou pro lado, com jeito mordeu. Iluminou-se a enorme cara de burro: Nossa Senhora, é doce! A partir desse dia, foi inventada, por um cabeçudo burro, a expressão de gratidão e alegria: Nossa Senhora! Assim chegou-se em Egito e ficaram por um ano, José, em trabalhos e medos em terra estrangeira até que em sono e sonho, anjo mandou que voltassem na terra de Israel. E alertou: na Judéia, não que reinava o filho de Herodes, esse é caro perigoso! Vai pra Galiléia. Fixaram domicílio em Nazaré. José montou modesta oficina, fez uma placa entalhada José carpinteiro e por anos viveram em paz, sem destacado registro. Cada ano iam a Jerusalém para a páscoa, Algodão sempre ia a serviço em família, mas quando José e Maria em caridades cediam seu lombo a velha e velho, ficava fulo de raiva: eram levianinhos, - dizia, secos e miudinhos, mas chatos, cuspiam e tossiam por tudo lado. Grávida, tudo bem, carregava em delicadezas, fosse com uma caixa de porcelanas. Em Jerusalém ficavam uns três dias. Dormiam em tendas, necessidades atrás de moitas plantadas pela secretaria da saúde para o devido fim. Comiam as coisas que traziam, chamados farofeiros. Sendo pobres, pouco compravam , talvez um copo de groselha, de capilé para Jesus e Maria, pinga ele não bebia, vez em quando, pouco de vinho que comprava em uma bodega de um grego que muitos viviam em Jerusalém. Vendia-se o famigerado sanduiche churrasco grego, inventado antes de Sócrates. Por falar de Sócrates, contava-se em meios eruditos uma anedota ao ser condenado: prefiro beber cicuta a comer churrasco grego. Por essa e por outras, José não comprava, diziam que era feito com carne de gato embora por escasseavam gatos, em dúvidas, José não comia o sanduiche do Aristodemo, - seu nome, ριστόδημος, chamado pela sua mulher. Certa vez, fim da páscoa, punham-se a regressar a Nazaré. Onde está o menino José vendo pros lados. Maria: aqui não está, olhando atrás que meninos jogavam bola: viu Jesus, Ezequiel? Respondeu um menino: num vi ele não, dona Maria. E procura que te procura, nada. Um conhecido nazareno que era sempre pessimista que usava óculos pretos pra ver sempre escuro, chutou: acho sequestro!... Uma visinha que vende ovos: vira essa boca daí, aqui num tem isso, em Roma sim, a coisa feia, alarmantes índices de sequestro. Outra: pior, estupro, não respeitam nem criança, véia, nem burro! - Epa! tô saltando de banda! o Algodão Doce. Em ansiedades e desanimados, Evangelho diz que acharam depois de três dias, a meu ver, um pouco exagerado, o menino na maior tranquilidade transpirando sabedorias dando entrevista a doutores e anciãos judeus. Maria: meu filho, caramba, seu pai e eu morrendo de medo?! Nada José disse, balançando a cabeça pensando: ela está certa, mãe está certa. Não se faz isso! Jesus deu uma resposta meio enviesada em turvas profundidades que Maria não entendeu, fechou-se em silêncio e guardou tudo em seu coração a pensar, meditar, remoer, quem sabe um dia venha a iluminar sua vida e a nossa. Apertando Jesus no peito, voltaram a Nazaré, a lombo de burro, puxando José, a tarde que caia. Nas sombras desta noite, sumiu-se meu amigo José e de nada mais se soube em evangelhos. Apócrifos inventaram imaginações: viveu longo, cabelos e barba escuros, sem uma cárie em dentes, viúvo, casou-se de novo, mais meia dúzia de filhos, Judas, Josetos, Tiago, Simão, Lísia e Lídia, morrendo aos cento e onze anos sem doença, cansou-se de viver e finou-se, chama que se apagasse sem óleo. Para mim, José morreu antes de Jesus. Não fosse assim, ele estaria presente à paixão de Jesus, não fugiria no bando dos apóstolos, a acreditar a versão apócrifica de sua saúde, arrebentaria meio mundo de soldados e no Calvário estaria ao lado de Jesus, firme e não mais sozinha Maria stabat (estava), ambos stabant (estavam) e outra seria a história, Michelangelo retratando em pedra a descida da cruz de Jesus em braços de José, função de pai a colher um filho morto, de mãe a abrigar em ventre e colo a trazê-lo à vida. José ausente na morte de seu filho. Pietà , Jesus morto e Maria, eternamente senhora das dores. Encerra-se a história de José, pai putativo de Jesus. Putativo uma ova, verdadeiro pai de Jesus que o amou, por ele sofreu, deu-lhe alimento e ternura, não foi o pai de Jesus na carne a atestarem minha e tradições, mesmo que impossível termos elementos para o teste de DNA que se evanesceram em séculos. Entrego-me e José nos braços misteriosos e no coração de Deus, pai de seu filho.




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