quinta-feira, 7 de junho de 2012

Sísifo



Sísifo



a.j.chiavegato

Os deuses tinham condenado Sísifo
Por toda a eternidade a rolar uma grande pedra ao alto da montanha,
Quando a atingia ao cume,
Rolava novamente
Por meio de uma força irresistível. (Albert CAMUS)



Moro à rua Monte Alegre, não nos altos onde vistas se descortinam, em baixo, como dizem, no buraco. A sair do prédio temos que enfrentar a ladeira e bota ladeira nisso. Minha amiga e colega de idades avançadas me disse: você percebeu que esta subida está aumentando?! Concordei: Ô! Para cardíacos, se sobem, gravíssimo risco que não voltem mais. Meu irmão veio levar uma geladeira duplex ao meu sítio, em uma pick-up, no meio da rampa, meu Deus, não sobe! – pensei, vai empinar e cair de costa. Rezei a tudo que é anjo e a são Gonçalo, de quem devoto: pelo amor Deus, empurrem! Subiu. Alertou-me São Gonçalo: desta vez, tudo bem, que seja a última! A rampa. Como em tudo na vida tem cara-coroa e vice-versas , quem sobe, desce, pensa que vale aqui o provérbio que pra baixo todos santos ajudam? – uma ova! Pinguço não desce, vivo. Sem breques ajustados evitem gordos e gordos a descer a ladeira. Vi uma vez um velho, escorregou em areia e veio pra baixo, bumbum em chão, em pulinhos, coitado, era magro! Por dias não sentou, botei-lhe bolsas de gelo disse a mulher. Não vi, disseram-me, uma mulher, dotada de avantajado porta malas, encapotou e veio vindo a esborrachar-se aqui em baixo e pior que não estava desprevenida, os vexames, olhando meia dúzia de velhos sentados tomando a fresca, atiçadas as concupiscências temporonas. E chega de ladeira, rampa, em suma, uma baita montanha, digna a Sísifo e vamos à história que narro. Agora mesmo a encontrou, beirando os oitenta anos e tem defeitos de pernas, não sei de nascença se ao peso de anos e de vida. É doméstica. Passos que se arrastam, em lento balanço de pernas tortas, à mão direita, uma bengala. Bom dia! digo-lhe que desce a rampa ao trabalho. Levanta olhos opacos, responde em voz fraca, em resignações. Boa tarde, senhora! quando ela sobe, em fins do dia. Manhãs e tardes, chuva ou sol, ela, está , empurrando sua vida que de manhã que se rola de novo em vão esforço. A mitologia grega contem três heróis que iluminam a aventura da vida humana: Prometeu, Sísifo e Tântalo. Mircea Eliade explica: mito conta uma história sagrada o mais das vezes, trágica, o drama da luta do homem apaixonado da liberdade de inventar sua vida, paixão e castigo, da paixão de verdade, conhecer é sua vocação e por fim, paixão de viver, como imortais os deuses. Gênesis é um belíssimo mito que ilumina nossa .
O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo.(Fernando Pessoa).

Lembram-se da cobra no paraíso oferecendo a Adão e Eva o fruto da vida: na hora em que comerem, seus olhos se abrirem e serão como Deus? Paixão da verdade, a aventura à luz e um castigo. Deuses heróis e os homens, expulsos do Olímpico e do Éden, onde moram deuses e Deus em trancados em seu paraíso. Em portas do Éden Deus determinou um monte de querubins, armados de espadas flamejantes, por aqui nenhum mortal passa. Em 1942, Albert Camus publicou o Mito de Sísifo. Em uma bela página parece o homem resignar-se ao absurdo da vida. Sísifo, em seu esforço heroico, apesar de contrações de seus músculos e das cintilações de sua esperança absurda e luta, como minha amiga. Pesa-lhe o castigo: o homem comerá o pão ao suor de seu rosto e a mulher parirá em dor seus filhos. Não sei se minha amiga crê em Deus, tenho certeza que o amor ilumina sua vida e não importa. Em luta de cada dia, arranca uma incansável esperança, não contra Deus, como Sísifo em luta com deuses, ela nEle se entrega. Descendo, subindo empurrando sua vida, passo a passo, sempre vislumbrando os cimos. Pensei-a Maria, mulher que está sempre em , achei que se chamasse Aurora, esperança que clareia os montes. Disseram-me: Rosa. Boa tarde, dona Rosa! – flor que se despetala em tardes e em cada manhã de novo se desabrocha. Deixo Rosa nos altos da ladeira em direção às alturas. Cerro, na expressão fantástica de Camus ao terminar seu mito: deve-se imaginar Rosa feliz

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