terça-feira, 5 de junho de 2012

Verônica


VERÔNICA

a.j.chiavegato

O vos omnes qui transitis per viam:
attendite et videte si est dolor sicut!(Lam 1,12)

Ó TODOS QUE PASSAIS PELO CAMINHO,
VEDE E JULGAI SE EXISTE DOR IGUAL À MINHA ?



Em noites de sextas-feiras santas de minha infância, não me lembro ter chovido, por vezes, um friozinho anunciando invernos que chegavam. Vento, sim, muito a apagar velas às crianças e aos adultos. E de lua cheia, esplêndida iluminando ruas escuras e a procissão, em tristezas e silêncios levando o caixão de um morto Deus. Gentes, muitas, toda a vila pisando fortes passos poeirentos. A banda do maestro Paulo Penteado, de pouco mais de meia dúzia de músicos, inventava uma espécie de marcha fúnebre de autor desconhecido, triste, um tanto desafinada suficiente a dar uma chorada que a noite era de tristezas. Durante o dia, não se apitava o trem, os poucos carros e caminhões não buzinavam, nem pra crianças e velhos, nem pra moças bonitas, bibi!!! nem pra tocar cavalos, vacas e cabras desgarrados, o jeito era por cabeça e o braço espantando: chi... chi... chi...eles pachorrentos, nem tavam . Nem as duas charretes, uma do Ermelino Lana, fonfonavam indo e vindo da estação trazendo os que chegavam. Sinos em folga, percorrendo ruas avisando para missas e cerimônias, as matracas em sua seca voz de madeira. A procissão se saindo da praça, balançando o esquife de Jesus coberto em véus roxos, roxos olhos, semiabertos e a boca . Nenhum santo saiu na procissão, nem são Benedito que em costumes de abrir procissões. Aprendi em catecismos que quando prenderam Jesus, apóstolos e santos se mandaram, borrando-se em medos. Nossa Senhora, sim, estava (stabat), bem atrás do filho morto, vestida de roxo, roxos olhos de chorar e olhando o céu a catar algum resto de esperança: Nossa Senhora das Dores. E a procissão para, que foi?!dizem, de dentro dos escuros, uma figura de mulher, em vestido longo preto, véu cobrindo cabeça e rosto, a Verônica, nem tão alta, meia gorda, dona Lola, mulher do doutor Baiano (baiano, não, doutor Deodoro Reis! – corrigia bravo, hoje virou nome de rua em Sorocaba, em vila Santana). A Verônica subia em cadeira, devarinho desenrolando o pergaminho e as lamentações do profeta: ó todos que passais pelo caminho ... - a bonita voz tremulante, fosse em ária de óperadona Lola, depois, outras Verônicas, Rosa Martins e a minha prima Cida. Em tenras infâncias, realidade e o fazer-de-conta confundiam-se em minha cabeça e em meu coração. Em medos e tristezas fugia escapando como acontecia em pesadelos. Na hora h , a cair em abismo e quando aparecem lobisomens correndo, pensava: sonhando, abria os olhos, meus pais dormindo em quarto ao lado roncando. Por isso ao me entristecer pela morte de Jesus, dentro de meu coração sabia sorrindo: amanhã, sábado de aleluia, ao meio-dia em ponto os sinos iam tocar,rojões subiriam e ao longe as baterias aos espaços pingando as bombas: Jesus ressuscitou! Mamãe nos chamavam: vem molhar os olhos no filtro - a bonita tradição de limpar olhos de trevas, de tristezas e de morte. Aleluia! E vamos malhar o Judas que faziam com mamões verdes.

É hora de se acabar. Consta que Verônica quando ia Jesus ao Calvário na via sacra de seus sofrimentos, uma mulher apareceu e deu-lhe seu branco véu. Jesus a olhou, em sangue, suor, terra e cuspe, enxugou seu rosto e o devolveu. Verônica ali viu o rosto de Jesus: não tinha figura, nem beleza... como um homem de dores (Isaias 53, 2). Por tantos séculos, homens à busca deste rosto de Jesus que se perdeu, sem saber que em nosso coração, traço a traço a cada um compor o rosto de Jesus que em sonho vislumbramos em esperança, até quando o veremos, face a face.



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